quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Episódio 40

Varre Tudo despertou de repente e, assim que abriu os olhos, um feixe de luz quase o cegou. Eram os primeiros raios de sol, que já adentravam a sala através do vidro da janela, cuja cortina estava aberta. Chico havia parado de cantar já fazia muito tempo, mas o aparelho de som continuava ligado, acusando o término do CD. Varre Tudo pensou em levantar-se do sofá, mas antes preferiu ficar mais alguns minutos observando Jaciara, que ainda estava adormecida sobre seu peito. Ele mal podia acreditar no que havia acontecido. Tentou recordar-se de como havia pegado no sono na noite anterior, porém a última lembrança que vinha à sua mente era o beijo de Jaciara. Ah, o beijo! Aquele momento ficaria para sempre gravado em sua memória. Sentiu-se invadir por um sentimento engraçado, uma mistura de felicidade, embaraço e ansiedade. Sua vontade era abraçar Jaciara o mais forte possível e mantê-la sempre próxima a si. Ao perceber que ela estava acordando, disse, meio sem jeito:

– Bom dia, Jaci!

Jaciara demorou alguns segundos para compreender a situação, onde estava, o que fazia na casa do amigo aquela hora da manhã e o como tudo havia acontecido. Assim que tudo fez sentido, ela respondeu:

– Bom dia, Varre!

– Acho melhor a gente levantar e começar a se arrumar para o trabalho – disse Varre Tudo. – Senão, vamos chegar atrasados.

– Que horas são? – perguntou Jaciara, ainda um pouco deslocada.

– Já deve ser mais de seis horas – respondeu.

Os dois levantaram e começaram a se arrumar. Varre Tudo estava envergonhado com a situação, principalmente pelo fato de ser visto por Jaciara logo após acordar todo amassado depois de uma noite de sono. Ela também não conseguia disfarçar que estava sem jeito por ter passado a noite ali. Mesmo assim, a felicidade de ambos era perceptível. A expectativa de que se encontrassem novamente era grande e, enquanto tomavam café da manhã, Varre Tudo perguntou:

– Jaci, tu tem algum compromisso pra hoje de noite, depois de sair lá da reciclagem?

– Hoje de noite? Não, não tenho. Por quê?

– É que eu tava pensando...o que tu acha se a gente sair pra jantar e, depois, quem sabe, for ao cinema? – perguntou Varre Tudo.

– Acho uma ótima idéia, Varre! – respondeu ela. – Podemos ir, sim. Eu saio da reciclagem às seis da tarde, daí consigo ir pra casa me arrumar e fico pronta às sete horas. Pode ser?

– Claro! Vou passar lá na tua casa às sete horas, então. Fica combinado! – disse Varre Tudo, contente por saber que logo mais, no final do dia, poderia ver Jaciara novamente.

Assim que terminaram o café, deixaram a casa de Varre Tudo para mais um dia de trabalho. Despediram-se com um abraço e com um beijo tímido no rosto. Jaciara caminhou até a parada de ônibus mais próxima e Varre Tudo seguiu a pé em direção ao Parque dos Sabiás.

Ao chegar, Varre Tudo apanhou seus utensílios de trabalho e, cantarolando, foi ao encontro dos colegas Shirley e Josias, que já começavam a varrer em torno do playground. Sentiu-se feliz por, depois de tantos dias tumultuados, estar de volta à rotina normal de trabalho no parque, junto aos amigos. Aproximou-se dos varredores e cumprimentou-os, com um largo sorriso no rosto e grande empolgação:

– Bom dia, pessoal!

– Bom dia, Varre Tudo! – responderam eles.

– Qual o motivo de tamanho bom humor e felicidade logo de manhã cedo? – perguntou Josias.

– Pois é! O que foi que aconteceu pra te deixar tão contente? – perguntou também Shirley.

– Ué?! Tô normal. Não aconteceu nada de mais. Apenas tô feliz porque estamos iniciando um dia de trabalho tranqüilo, depois de tudo o que passamos em função da greve, dos incêndios dos contêineres e tal. Estou satisfeito pelo fato de estarmos em paz, simplesmente! – respondeu Varre Tudo.

– Hum...sei. Tem certeza que nada mais aconteceu? Nadinha de nada? – insistiu Shirley.

– Tá bom, tá bom. Além de estar feliz porque tudo voltou ao normal, também tem outra coisa que aconteceu que me deixou ainda mais feliz. – confessou Varre Tudo, meio enrolado com as próprias palavras. – Mas só vou contar se vocês me prometerem que vão guardar segredo!

– É claro que a gente guarda segredo, né, Varre Tudo! Agora conta logo que coisa foi essa que aconteceu pra te deixar tão alegre! Conta, vai! – insistiu Shirley.

– Bom, ontem de noite a Jaciara apareceu lá em casa. Ela disse que tava com alguns problemas, que precisava conversar. Daí, a gente sentou, começou a conversar, ela revelou que tava pensando em mim fazia algum tempo e, de repente, a gente se beijou! – contou o varredor.

– Não acredito! É sério!? Nossa! Nunca imaginei que tu e a Jaciara fossem ficar juntos! Sempre pensei que tu gostava da Magali. – disse Shirley, surpresa com a revelação.

– Pois é...eu também achava que gostava da Magali, mas eu estava errado. Outra noite acompanhei ela até em casa e percebi que não era apaixonado. Na verdade, eu não a conhecia direito e, depois que a gente conversou, me dei por conta de que não temos muitas coisas em comum. – explicou Varre Tudo.

– Pra tu ver como é a vida. Às vezes a gente se descobre apaixonado por uma pessoa que antes era apenas uma amiga. Acontece! – disse Josias.

– É verdade! Mas eu ainda nem contei pra vocês a melhor parte! – disse Varre Tudo, empolgado. – Eu e a Jaciara vamos nos encontrar de novo hoje de noite. Combinamos de sair juntos, vamos jantar e depois ainda vamos ao cinema!

– Ah, que chique! – disse Shirley. – Já são praticamente namorados, então!

– É...ainda não, mas quem sabe. – disse Varre Tudo encabulado.

– Ah! Varre Tudo tá namorando! Tá namorando! Tá namorando! – cantarolou Josias enquanto dançava com a vassoura de um lado para o outro.

– Pára, Josias. Não enche o saco do Varre Tudo! – disse Shirley.

Ao longo da tarde, Varre Tudo e os colegas trabalharam normalmente. Enquanto varriam as áreas recreativas e as vielas do parque, comentavam entre si como o dia estava calmo e agradável. Até mesmo o trabalho estava mais leve, já que, após o término da greve, os esforços coletivos para tornar a cidade limpa outra vez acabaram por incentivar a população a fazer a sua parte e auxiliar na manutenção da limpeza. Assim, havia se tornado raro a equipe de varrição do parque encontrar lixo atirado no chão ou na grama. Agora, eles limitavam-se a varrer e recolher as folhas secas que sempre compuseram o cenário do parque. O mesmo acontecia nas ruas. Os varredores estavam encontrando muito menos lixo e resíduos espalhados pelo chão, prova de que a população realmente estava se esforçando para cuidar da cidade e mantê-la organizada.

Depois do horário de trabalho, Varre Tudo se despediu de Josias e Shirley, que lhe desejaram boa sorte no encontro com Jaciara, e seguiu direto para casa para tomar um bom banho e se arrumar. Estava superansioso para rever Jaciara e, por isso, ficou pronto com bastante antecedência. Certificou-se de que havia passado perfume, penteado bem o cabelo e escolhido a melhor roupa para a ocasião. Daí, sim, sentou-se no sofá, o mesmo em que havia adormecido com Jaciara em seus braços na noite anterior, e ligou a televisão a fim de passar o tempo. A cada cinco minutos, Varre Tudo fitava seu relógio de pulso. As horas, os minutos e os segundos pareciam se arrastar. Só conseguia pensar em Jaciara, em seu rosto, seus trejeitos, sua maneira meiga de falar. Tudo nela lhe parecia encantador.

Quando o relógio marcou 18h e 45min, Varre Tudo levantou do sofá em um salto. Era hora de sair para buscar Jaciara. Calculou que 15 minutos seriam o suficiente para chegar a sua casa. E ele estava certo. Exatamente às 19h, Varre Tudo chegou em frente à casa de Jaciara. Tocou a campainha. Ela o atendeu prontamente. Estava linda, vestida com uma calça jeans e uma blusa lilás, os cabelos um pouco soltos e um pouco presos por grampinhos da mesma cor. Cumprimentaram-se com o mesmo beijo tímido com o qual se despediram de manhã e seguiram pela rua de mãos dadas. No caminho, Varre Tudo sugeriu um restaurante que conhecia, próximo dali. Ao chegarem lá, foram conduzidos por um garçom a uma das mesas, onde começaram a folhear os cardápios. Depois de fazerem o pedido, engataram uma conversa sobre o futuro de Varre Tudo.

– E o que tu pretende fazer, Varre? Já conseguiu te decidir se vai ficar na COVAT ou se vai mesmo pra Guarda Municipal? – perguntou Jaciara.

– Pois é, Jaci, já faz tempo que eu penso nisso e não consigo me decidir. Claro, logo depois que passei no concurso fiquei feliz em ter conseguido a vaga, afinal o salário é mais alto e tem outros benefícios também. Mas, nas últimas semanas, muitos acontecimentos me deixaram indeciso. Com toda a mobilização da greve, as conquistas dos trabalhadores e, agora, com a população se conscientizando cada vez mais a respeito do lixo e da limpeza, me sinto orgulhoso de trabalhar como varredor da COVAT. – explicou Varre Tudo.

– Que legal, Varre! Realmente, se não fosse principalmente pelo seu empenho e do Abelhão nas negociações durante a greve, não teríamos conquistado aqueles benefícios todos, nem o aumento do salário. – disse Jaciara.

– É por isso que eu penso em ficar na COVAT. Por muito tempo estive indeciso, mas cheguei a conclusão de que devo ficar onde estou. Não estou mais interessado naquela vaga na Guarda Municipal. Vou continuar como varredor da COVAT e confiar no meu futuro e no meu crescimento dentro da empresa. – disse Varre Tudo.

– Muito bem. Se tu decidiu, está decidido. Deve fazer o que é melhor para ti. O que o teu coração manda. – aconselhou Jaciara.

– É mesmo. E outra coisa que meu coração está me mandando fazer no momento, além de permanecer na COVAT, é ficar perto de ti o máximo de tempo possível. – disse Varre Tudo, que ficou corado assim que as palavras escaparam de sua boca.

Jaciara ficou encabulada com a declaração de Varre Tudo, mas, ao mesmo tempo, abriu um sorriso imenso, deixando transparecer sua felicidade. Os dois jantaram e, depois, passaram um bom tempo de mãos dadas, conversando e trocando afagos. Varre Tudo se deu por conta de que estava, realmente, apaixonado por Jaciara. Talvez ele já fosse antes, mas nunca havia percebido. Sempre tratara Jaciara como uma amiga, apenas. Agora, estava decidido de que ela passaria a ser sua namorada. Não havia mais dúvidas. Após sair do restaurante, o casal foi para o cinema, onde compraram ingressos para conferir um dos clássicos que Varre Tudo tanto queria assistir. A noite não poderia ter sido melhor.

Um comentário:

MF disse...

Gostei muito! Excelente ideia, continuem! *