quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Episódio 39

Varre Tudo saiu caminhando lentamente pela cidade. Já era tarde e então decidiu apressar o passo, pois amanhã era outro dia e ele precisava descansar. Foi para casa e entrou direto para o banho.

Enquanto cantarolava, pensava na vida, em Magali, em Jaciara, e na conversa que tivera com Dona Arzelina. De repente, a campainha insistente atrapalhou seus pensamentos, e ele enrolou-se na toalha para ver quem era.

Ao abrir a porta, Varre Tudo corou.

- Oi Varre, tudo bem? Eu sei que é tarde, mas precisava falar contigo.

Parada do lado de fora, com o olhar entristecido, estava Jaciara.

- Jaci, desculpa, eu, eu... – disse Varre Tudo, sem saber o que fazer naquela situação embaraçosa.

- Entra, senta aí, vou me trocar e a gente já conversa.

Enquanto Varre Tudo se vestia, Jaciara ficou em pé, observando os porta-retratos na estante. Em anos de amizade com Varre Tudo jamais ficara a sós com ele, não conhecida suas histórias, seu passado. Pouco sabia de sua vida.

- Aceita um café? – disse, pegando a amiga desprevenida.

- Ui, que susto! Tava aqui vendo tuas fotos, teus livros. Quanta coisa legal! – disse, recuperando-se da entrada inesperada de Varre Tudo na sala.

- É, pois é, eu gosto de livros. Pena que nunca temos tempo de conversar sobre essas coisas. Mas já que esta aqui, aceita um café? – sugeriu Varre Tudo.

- Não, obrigada. Isso não é uma visita de cortesia. Vim falar contigo sobre minha vida, meus problemas. Tu é a única pessoa que posso confiar nesses últimos tempos. – desabafou Jaciara. – espero que possa me escutar.
Enquanto falava, Jaciara apertou o braço do amigo com força. Ele percebeu que não se tratava de nenhuma “frescura feminina”, mas sim de um assunto muito sério. Colocou um CD do Chico Buarque para tocar, e puxou a amiga para sentar-se ao seu lado no sofá.

- Vem Jaci, vem, senta aqui. Espero que você goste de Chico, me faz muito bem ouvir ele. Posso deixar tocando?

- Claro que sim, eu adoro. – disse Jaciara, que se calou a seguir. Foram os 30 segundos de silêncio mais demorados que Varre Tudo já passara em toda sua vida.

- Varre, tu tem sido um amigo muito bom. Nem sei o que seria de mim sem você nesses últimos dias. Tive uma decepção muito grande com o Juseppe, ainda não me recuperei direito do susto, e agora estou com muito medo de tudo. – falou, sem parar, enquanto mexia os braços e gesticulava.

- Ainda não entendo por que ele aprontou tudo aquilo contigo, quanta sacanagem, quanto ódio! – indignou-se Jaciara.

- Jaci, acontece que eu passei no concurso da guarda, e ele achou que eu ia pegar o lugar dele. Tu sabe como o Juseppe é cabeça dura, e como ele nunca gostou de mim, da minha amizade contigo... hoje eu vejo que ele queria era me prejudicar, mas espirrou pra todos os lados, inclusive em ti. – explicou-se Varre Tudo.

- Entendo, entendo, mas não acredito que eu namorava um cara tão mau caráter. Como eu pude ser tão burra? Tão estúpida... ele com todas aquelas promessas e eu, idiota, acreditava em tudo. – choramingou Jaciara.

- Não Jaci, por favor. Você é perfeita, linda, não há nenhum problema contigo. Tu não pode te culpar pelo Juseppe, ele não te merecia. Tu merece alguém que saiba valorizar o teu amor.

Mais uma vez o silêncio invadiu a sala. Debateu-se nos livros, na estante, e foi quebrado pela voz doce de Jaciara.

- Varre, eu to me sentindo estranha. Não consigo parar de pensar em ti, não sei o que ta acontecendo. Desde aquele dia na praça, quando o Jéferson me contou da gráfica e do envolvimento do Juseppe, as coisas começaram a se confundir dentro de mim.

Varre Tudo estremeceu. Queria dizer que também se sentia estranho, e que talvez tivesse um sentimento maior do que amizade por Jaciara, mas não quis se aproveitar da fragilidade daquele momento. Resolveu trocar de assunto.

- Jaci, eu também estou com muitas dúvidas. Não sei se deixo a COVAT e vou pra guarda. Penso no meu futuro, eu sei que mereço ir longe, mas depois de tudo que aconteceu eu percebo que somente do lado de vocês é que sou forte. E que a amizade de todos é que me faz ser um cara de sucesso. – sorriu Varre Tudo.

- Te entendo, mas as amizades podem terminar por uma razão ou outra. O teu futuro profissional é que está em jogo. Acredito nos teus argumentos e respeito eles, mas independente da tua escolha, pode ter certeza que estarei do teu lado. – disse Jaciara, secando a lágrima que teimava em cair.

- Que bom Jaci. Acho que minha decisão já esta tomada, mas prefiro não falar ainda. – explicou-se. Aproveitando o momento de troca de confidências, resolveu arriscar e apostou alto.

- Mas sobre aquele outro assunto Jaci... – disse, respirando fundo. – eu também sinto algo diferente por ti. Não sei explicar, mas às vezes tenho vontade de te ver toda hora, sinto falta do teu cheiro, da tua risada. Eu fico feliz quando estou contigo. – confessou.

Jaciara sorriu, apertando os olhos, e não disse nada. Varre entendeu aquele sorriso, e desviou o olhar para o chão. Quando voltou a fitar Jaciara nos olhos, os rostos se aproximaram até os lábios se tocarem, lentamente. Na sala, Chico cantava “deixe em paz meu coração/ que ele é um pote até aqui de mágoa/ e qualquer desatenção, faça não/ pode ser a gota d’água”. Abraçaram-se e acomodaram-se no sofá. Sentiram tanta paz que fecharam os olhos e Jaciara encostou a cabeça no peito de Varre Tudo, até ouvir seu coração bater acelerado. O cansaço chegou sem que percebessem, e os dois caíram no sono.

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