sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Episódio 16


Depois de alguns segundos de silêncio ao telefone, Varre Tudo decidiu:
- Jaciara! Tu pode almoçar comigo hoje? A gente pode ir lá no Lanche do Chico. Isolados da turma, podemos conversar. Eu preciso mesmo desabafar com uma amiga. Minha vida anda muito agitada.
- Ai, tá chegando um monte de lixo pra separar hoje. O Seu Vento não vem no turno da tarde. Mas senti que tu precisa de uma força, vou dar um jeito.
- Que bom, Jaci! E, por favor, guarda o documento e não comenta nada sobre ele com ninguém. Até logo!
- Tá certo. Até, Altayr! Abraço.
Varre Tudo pegou a linguaruda e foi até o parquinho infantil, onde estavam Shirley e Josias.
- Bom, um dia é cano estourado, no outro é assalto, no outro imprensa, espero que amanhã eu possa trabalhar normalmente. Já perdi muito tempo hoje, vou indo lá pro Enforcado que hoje eu tenho que limpar por lá – avisou.
Os amigos disseram um “Até mais” e o varredor se foi rápido com sempre. Quando estava próximo da Árvore do Enforcado, criou coragem e ficou observando a árvore. Tentou desvendar algo e pensou se tinha realmente visto um vulto por aí outro dia, se podia ser um bicho ou simplesmente uma pessoa. Sentiu outro arrepio. Acelerou seu trabalho ainda mais, para passar logo para a outra quadra.
Se alguém ficasse observando seu trabalho naquela manhã de quinta-feira, podia achar curioso, ou até interpretar que ele andava meio maluco. As expressões de seu rosto variavam, mudavam repentinamente. O rapaz, enquanto fazia suas tarefas, sorria e, volta e meia, dava uma risada. Passava um tempo e ele tinha um rosto triste, preocupado.
Em seguida, já na hora do almoço, Varre Tudo chegou primeiro à lancheria e pediu o almoço dos dois. Jaciara se atrasou.
- Desculpa a demora, mas chegaram três caminhões há pouco lá na reciclagem. Tive que deixar o serviço todo encaminhado. Hoje é dia de entregar os plásticos e latas. Ainda bem que o Marcelo esperou, senão eu ficava sem carona.
- Não tem problema. Eu já pedi um À La Minuta. E... me conta! Como é que tu foi achar o meu documento no meio de toda aquela papelada?
- Ah... Muito estranho, Altayr, muito estranho. Tinha um saco preto de lixo que tava com um cheiro muito ruim. O material, que chega lá pra nós, nunca tem cheiro muito forte, porque não é lixo orgânico, né. Aí, eu abri o plástico lá fora e tinha um papagaio morto dentro. O teu documento tava lá no meio. Ai... Será que é macumba!? Essa pessoa que te roubou deve tá metida em muito rolo. Acho que a gente precisa resolver essa história. Tu já foi na polícia?
- Eu fui na Delegacia. Registrei a ocorrência, mas só isso. Agora eu tenho que refazer todos os meus documentos. – lamentou-se Varre Tudo – Essa história, Jaciara, tá muito mal contada. O assalto, o incêndio, como pode acontecer tanta coisa num dia?
- Olha só... eu te ajudo a investigar. Tô desconfiada de algumas coisas. Tem gente agindo de um jeito muito estranho. Ainda não sei se essa pessoa seria capaz de tanta sujeira... Ah! - Jaciara pôs a mão na bolsa e tirou dela o documento, que estava um pouco manchado – E isso aqui, mocinho!? Tu não ia me contar, não?
- Ah... Ia sim. Mas agora que tu já sabe, guarda segredo por uns dias. Eu vou esperar mais um tempinho pra contar pro pessoal lá do parque. Até achei graça que ninguém tá sabendo ainda. Tenho medo de contar e algumas pessoas ficarem chateadas comigo. E também, esta semana, tenho tanta coisa na cabeça, que vou esperar. Mas, logo eu conto – argumentou Varre Tudo.
- Tudo bem, tudo bem... Mas aquele papagaio? Se eu deixar lá na reciclagem é bem provável que eu vá me complicar. Vou procurar um responsável. Acredito que tudo esteja ligado ao teu assalto. De repente a gente consegue uma pista. Deixa comigo!

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Episódio 15


Varre Tudo teve uma longa noite de sono. Os últimos dias haviam sido suficientemente agitados para deixá-lo exausto. Estava precisando descansar. Assim que o dia amanheceu, porém, o varredor despertou num salto. A imagem do incêndio e a lembrança do resgate de dona Arzelina invadiram-lhe o pensamento. Precisava ir ao hospital para ver a amiga. De certa forma, sentia-se responsável pelo bem-estar dela e prometeu a si mesmo que, tão logo fosse possível, iria visitá-la novamente. Varre Tudo se arrumou, tomou um rápido café da manhã e saiu de casa para trabalhar.
Como de costume, percorreu todo o trajeto de sua casa até o Parque dos Sabiás a pé. Era uma longa caminhada e, desde o dia do assalto, escolhia como caminho as ruas mais movimentadas para não correr o risco de passar por aquela terrível experiência mais uma vez. Varre Tudo se aproximava do centro da cidade quando ouviu uma voz feminina vinda do outro lado da rua gritar:
– Olha lá! É ele! É o herói do incêndio no parque! É o Varre Tudo!
O varredor, que caminhava distraído, levantou a cabeça e olhou ao seu redor. Percebeu que todas as pessoas que andavam na mesma quadra estavam olhando para ele. Algumas acenavam, outras faziam sinal de positivo com o dedão e todas, sem exceção, estampavam um largo sorriso no rosto, num misto de satisfação e aprovação. Varre Tudo levou alguns segundos para entender o que estava acontecendo, mas logo se deu por conta que as pessoas queriam parabenizá-lo pelo salvamento de dona Arzelina durante o incêndio. Estavam orgulhosos de sua atitude. Sentiu-se bem.
Foram apenas mais alguns passos até chegar ao seu destino. Enquanto descia a escadaria, avistou uma movimentação incomum na parte central do parque. Conforme foi se aproximando, percebeu que havia carros estacionados e várias pessoas que circulavam, impacientes, de um lado para o outro. Eram jornalistas. Parecia que toda a imprensa de Nova Rita Santa estava presente. Logo que Varre Tudo foi visto por um dos repórteres, todos correram em sua direção. Em poucos segundos, o varredor estava cercado por câmeras, microfones e gravadores.
Inevitavelmente, Varre Tudo passou boa parte da manhã dando entrevistas. Contou como tinha resgatado dona Arzelina, foi fotografado dezenas de vezes e fez uma revelação que deixou todos os jornalistas surpresos. Sincero e, sem medir as conseqüências que seu relato poderia desencadear, o varredor disse:
– Tive que agir da melhor forma possível pra salvar a dona Arzelina, porque o guarda responsável pela segurança do parque não tava aqui. Daí, o jeito foi enfrentar o fogo até que os bombeiros chegassem. – explicou Varre Tudo à imprensa.
Durante a tarde, depois que a agitação causada pela maratona de entrevistas e fotografias havia terminado, Varre Tudo apanhou seu carrinho, sua vassoura e a linguaruda e, enfim, começou a varrer o parque em companhia dos colegas Josias e Shirley. Conversavam sobre a fama de Varre Tudo, agora triplicada pelo ato heróico no incêndio, quando o celular de Shirley tocou.
– Alô? – atendeu a varredora.
– Alô? Shirley? Aqui é a Jaciara, da reciclagem. Tudo bom?
– Ah, oi, Jaciara! Tudo bom, sim. E contigo?
– Tudo certo. Me diz uma coisa, o Varre Tudo tá aí contigo?
– Ele tá, sim. Quer falar com ele?
– Sim, preciso falar com ele. É meio urgente. Obrigada, Shirley! – agradeceu Jaciara.
– Ô, Varre Tudo? Telefone pra ti. É a Jaciara, lá da reciclagem. Ela diz que precisa falar urgente contigo. – disse Shirley.
Varre Tudo encostou a vassoura no carrinho e foi ao encontro de Shirley. Ele estranhou receber uma ligação de Jaciara assim, no meio da tarde. Devia ser mesmo algo urgente. Desconfiado, pegou o celular da mão da colega.
– Alô?
– Oi, Varre Tudo. É a Jaciara. Olha só, tenho uma coisa pra te contar. – disse Jaciara.
– Oi, Jaciara. O que foi que aconteceu? – perguntou o varredor, já bastante curioso.
– É que eu encontrei um documento da prefeitura com o seu nome aqui na reciclagem. Chegou com o caminhão de hoje de manhã. E...é verdade o que tá escrito aqui, Varre Tudo? – indagou Jaciara, demonstrando estar surpresa com o conteúdo do documento.
Ao ouvir a notícia da amiga, Varre Tudo ficou pasmo. Tanto que nem conseguiu responder à pergunta. Ele tentava entender como seu documento, roubado durante o assalto, teria ido parar na associação de reciclagem.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Episódio 14


Emocionou-se ao ver a foto de dona Arzelina em seus braços e aorelembrar seu rosto, seu sorriso e sua alegria de viver. Queria poder ajudar de alguma maneira, mas sabia que era inútil naquele momento.
Seus pensamentos foram interrompidos pelos colegas, indagando sobre o resgate de dona Arzelina, como havia sido, se ele sabia quem colocara fogo no parque, enfim, Varre Tudo sentiu-se como um jogador de futebol em entrevista coletiva. Riu, baixinho, e por um instante conseguiu relaxar e conversar com os colegas, sem pensar nos problemas que enfrentara nos últimos dias. Aproveitou para contar toda a história do assalto, da perda do “convite de aniversário da prima” e do incêndio no parque.
Enquanto contava aos colegas sua ‘via sacra’, viu Juseppe passar rapidamente por entre as árvores do parque e sair sem dizer adeus. Deu de ombros e continuou sua história.
10 minutos depois, Juseppe chega àGráfica Papagaio.
- E aí, Maurício, beleza? Fez aquele esquema pra mim? – indaou, piscando o olho esquerdo.
- Fala, Juza. – disse o balconista, chamando o guarda pelo apelido pouco conhecido. – Fiz sim, tudo certo, e dei ‘cabo’ do outro documento pra não ter problema.
Juseppe, sem entender direito, pediu para Maurício repetir o que havia dito. O moço repetiu, e então Juseppe precisou segurar-se no balcão para não cair.
- Meu deus! Tu tá maluco? Aquele documento era ultra-secreto, tu devia ter devolvido pra mim, eu daria um fim definitivo nele! Como é que vou saber se tu te desfez dele com 100% de certeza? Tu tá rateando, cara! – vociferou Juseppe, num misto de raiva e apreensão, preocupado com o fim que Maurício dera no papel.
- Bah, Juza, que stress! – disse, calmamente. – Eu sou fera né, cara, tu acha que eu ia te prejudicar? Coloquei o documento na pilha de papel pra reciclar, não queimei pra não criar suspeitas. Aquele papel separado vai todo pra fazerem outro papel, ninguém vai desconfiar que lá tem um troço importante, né? – disse Maurício, achando sua idéia extremamente inteligente. – Terça mesmo o caminhão levou. Essa hora já eras aquele papel. – sorriu o balconista.
Foi nesse momento que Juseppe pôde respirar aliviado. Afinal, sabia da eficiência das reciclagens de Nova Santa Rita, e teve certeza que o papel já estava em meio a outros, perdido, para nunca mais ser encontrado.
- Pô, Maurício, tu quer me matar do coração? Troxão! – disse o guarda, relaxando os ombros e soltando calmamente o ar dos pulmões. – Me dá aqui o novo documento, deixa eu ver como ficou.
- Ficou jóia, né, Juza, eu sou profissional, esqueceu? – argumentou Maurício.
Olhando atentamente, Juseppe apreciou com orgulho o trabalho do amigo. Realmente ficou muito boa a alteração do documento. Certamente ninguém desconfiaria de nada. Juseppe sorriu para Maurício e saiu sem olhar para trás, guardando cuidadosamente o papel no bolso do uniforme.
O dia transcorreu normalmente no Parque dos Sabiás. Nenhuma novidade, nenhum atentado, tudo tranqüilo. Varre Tudo sentiu-se bem, há dias não tinha uma rotina tão calma, tão “normal”. Despediu-se dos colegas e aproveitou para dar uma passadinha no hospital e ver dona Arzelina. O estado dela era estável. Cansado, Varre Tudo resolveu ir para casa e rezar. Pediu aos céus proteção e muita saúde para dona Arzelina e agradeceu por mais um dia de trabalho.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Episódio 13


Antes mesmo de abrir os olhos, Varre Tudo ouviu as sirenes e então se deu conta de que ainda estava no hospital. Ele havia passado grande parte da noite em claro, andando pelos corredores do Hospital Nova Rita Santa, preocupado com dona Arzelina. Por isso, ele estava se sentindo tão cansado e com dores no corpo todo. Ele se espreguiçou e levantou-se lentamente. Foi até o banheiro e, após lavar o rosto, caminhou pelo longo corredor. Quando passou pela recepção, todas as pessoas olharam para ele.
- Nossa! Minha aparência deve estar horrível. Tô com a roupa rasgada e preciso de um banho. – pensou ele.
Falou com a enfermeira, mas dona Arzelina ainda estava em observação e dormia profundamente.
- Como ela está, moça? – perguntou a uma senhora simpática que estava no quarto.
- Ela inalou muita fumaça e também bateu a cabeça, tem um corte profundo e... – mas Varre Tudo não conseguia mais se concentrar na enfermeira. Ele abanou com a cabeça e disse que voltava mais tarde.
- Eu, hein! Agora que eu ia...Deixa pra lá... – disse Elisa – já que o rapaz nem lhe deu atenção.
O coração de Varre Tudo disparou.
- Não pode ser! Fui roubado, os “drogaditos” colocaram fogo no parque, dona Arzelina está com a cabeça machucada e Jussepe não estava lá, enquanto tudo acontecia. Será que estou com mania de perseguição? Pode ser apenas coincidência. Mas, mesmo assim, eu tenho que fazer alguma coisa! Que saco! Por que todos me olham desse jeito? – pensava.
Passou em casa rapidamente para tomar banho e trocar de roupa, engoliu o café e saiu comendo um sanduíche. Já eram sete horas, ele devia estar no trabalho. Afinal, nunca havia faltado, agora não seria diferente. No caminho, as pessoas continuavam olhando para ele com curiosidade. Quando entrou na COVAT, tornou-se “conhecido” na cidade, ganhou até apelido, mas logo depois todos esqueceram seu rosto e ele se tornou apenas mais um gari, escondido em meio a todos os outros, também responsáveis pela limpeza das ruas e dos parques. Mas, agora, enquanto caminhava lentamente até o trabalho, todos o fitavam com curiosidade.
- Pensei que todos me observavam porque estava sujo, não entendo! – pensou ele.
O ônibus lotado fazia com que Varre Tudo se sentisse uma sardinha. Mas, apesar da situação desconfortável, estava mais tranqüilo, pois, assim, ninguém podia ver seu rosto. Ele não conseguia parar de pensar em tudo que havia acontecido nas últimas horas. Estava confuso, eufórico, triste e assustado ao mesmo tempo. Além disso, tinha que cuidar da dona Arzelina, que não tinha parente na cidade. Varre Tudo desceu do ônibus apressado. Começou a ignorar os olhares, pois já estava constrangido com o jeito como as pessoas o fitavam e cutucavam umas as outras, cochichando enquanto ele passava.
Quando abriu a porta da sala central da COVAT, os colegas do turno anterior estavam ao redor da mesa observando alguma coisa. Eles pararam de falar assim que viram Varre Tudo entrar. Magali, uma moça que trabalhava na varrição à noite e era encantada pelo rapaz, o olhou sorrindo, os olhos brilhando.
- Você é um herói! – exclamou ela.
Ela caminhou ao encontro dele e o abraçou, dando um beijo estalado em sua bochecha, enquanto o rapaz corava. Magali lhe entregou o jornal "Picadeiro - Diário de Integração da Cidade". Ele chegou a perder o fôlego ao ver seu rosto estampado na capa.

VARRE TUDO SALVA SENHORA DE DEPÓSITO EM CHAMAS
Antes mesmo de os bombeiros chegarem, Altayr, conhecido como Varre Tudo, entrou no depósito da empresa COVAT, localizado no Parque dos Sábias, e salvou a colega de trabalho Arzelina Oliveira. O local estava em chamas. Pg. 12
Por um momento, Varre Tudo esqueceu todos os problemas, enquanto abria o jornal para ler a matéria na íntegra.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Episódio 12


Enquanto isso, no Parque dos Sabiás, Varre Tudo atônito falava sem parar:
- Não pode ser, Shirley!
- O quê? – perguntava a moça.
- Eu fui assaltado e... – Varre Tudo se lembrou de que a amiga não sabia o que continha no documento e parou por alguns minutos de falar, tentando encontrar uma desculpa.
- Ah! É que, quando me assaltaram, roubaram o convite de aniversário de uma prima minha lá do interior – falou meio sem jeito.
- Bom! Mas isso não é tão grave. – disse Shirley, mexendo nos cabelos.
- Mas o que é isso? – indagou Varre Tudo, olhando para o interior do parque.
- É fogo – disse Shirley, nem se dando conta do que essa palavra poderia significar para o parque.
- Fogo!!!! – gritaram os dois, com os olhos arregalados.
- Minha nossa, Shirley, de onde vem esse fogo todo?
- Eu não sei.
Mais adiante, um grupo de pessoas que dormia perto do parque havia feito uma fogueira. Eram conhecidos no parque como os “drogaditos” e moravam em uma escadaria, que fica bem perto de um grupo de árvores nativas que estavam secas nesta época do ano.
- Shirley, olha o tipo daquele cara! Eles fizeram montinhos de folhas secas e colocaram fogo no parque! E agora? – perguntou Varre Tudo, já percebendo que dona Arzelina estava no local onde guardavam as vassouras. Ela cuidava da casinha de madeira e supervisionava a entrada e saída dos garis do parque. Arzelina tinha 60 e poucos anos e uma certa dificuldade de caminhar por causa de problemas na coluna.
- Shirley, onde está a Arzelina?
- Varre Tudo, ela está dentro da casinha. O fogo está próximo, e ela deve estar tentando sair.
- Shirley, liga pros bombeiros que eu vou buscar Arzelina antes que seja tarde.
- Tá!- disse Shirley, que foi em direção ao posto da Guarda Municipal, a fim de procurar Juseppe e chamar os bombeiros.
- Nossa! O fogo se alastra, preciso encontrar Arzelina antes que seja tarde, antes que seja tarde – pensava Varre Tudo.
O fogo fazia um círculo em torno da casinha. Mas, em uma pequena fresta no meio do fogo, Varre Tudo conseguia ver a porta aberta e um pequeno vulto caído no chão.
- Só pode ser ela. Deve estar sufocada com a fumaça. Dona Arzelina! Dona Arzelina! – gritava com todas as forças Varre Tudo.
- Estou chegando pra te buscar. Agüenta firme!
Varre Tudo atravessou a pequena fresta que não estava coberta de fogo e conseguiu chegar à casinha. De fato, dona Arzelina estava deitada no chão.
- Dona Arzelina! Acorda! – disse Varre Tudo com lágrimas nos olhos.
- A senhora não pode morrer agora!
Varre Tudo pegou-a no colo; a fresta que ainda não estava dominada pelo fogo começava a se fechar. Tinha que correr. Enquanto isso Shirley buscava ajuda na Guarda. Chegando lá, a porta estava fechada e Juseppe não estava no interior da casa. Ficou pensativa, mas não poderia esperar mais. Pegou o celular e discou 193.
- Alô. Está pegando fogo no Parque dos Sabiás. Preciso de ajuda!
- Estamos a caminho. – disse uma voz do outro lado da linha.
Do outro lado do parque, Varre Tudo atravessou o fogo com Arzelina nos braços. Longe das chamas, tentava reanimar Arzelina, mas ela não conseguia respirar. Varre Tudo utilizou as técnicas de reanimação aprendidas ainda no tempo de escola, quando fazia parte do grupo dos escoteiros. Em poucos minutos, Arzelina parecia mover os dedos, os olhos começaram a abrir lentamente e ela tossiu.
- Arzelina! A senhora está viva! Que bom!
Mas Arzelina não estava tão bem. Os olhos estavam fundos e ela tinha dificuldade em respirar.
- Shirley! Shirley! Me ajuda aqui!!! – gritou Varre Tudo.
- Varre Tudo! Chamei os bombeiros, eles devem estar a caminho.
- Escuta, Shirley, cadê o Juseppe!
- Não sei! E o Josias, que está doente em casa, coitado!
Nesse meio tempo, as sirenes dos bombeiros eram ouvidas pelos dois amigos. Dona Arzelina ainda estava deitada no chão.
- Respiração artificial! – falava o médico para outro companheiro. - Temos que levá-la para o hospital o mais breve possível.
- Shirley, espero que ela saia dessa!
- Varre Tudo, ela consegue, dona Arzelina é forte.
- Mas, sabe uma coisa que está me deixando com a pulga atrás da orelha?
- O quê?
- Onde está Juseppe e por que os “drogaditos” colocaram fogo no parque?

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Episódio 11


Varre Tudo nem sequer reparou a direção que o homem de preto havia tomado. Estava muito transtornado com tudo o que estava acontecendo nos últimos dois dias.
Aproveitando-se da distração do varredor, o assaltante logo entrou em sua van preta e partiu. Tranqüilo, dentro da van, abriu a carteira e conferiu se ali estava o que ele mais precisava. Além do documento, na carteira havia um talão de cheques e alguns trocados. Tirou o documento e entregou ao seu companheiro, que disse:
- O trato nesta carteira é tu quem dá. Eu já tenho o que eu queria. Agora, tu só tem que continuar aquele outro trabalhinho – ordenou esfregando as mãos.
A van parou duas quadras depois – se Varre Tudo quisesse, até podia tê-la seguido. A porta abriu e um homem bastante gordo desceu do automóvel. Usava uniforme azul e chapéu de guarda municipal. Chapéu de guarda municipal? Era Juseppe.
Em uma das mãos segurava o documento que pertencia a Varre Tudo. Antes que alguém na rua desconfiasse de algo, guardou-o no bolso. Dobrou a esquina e entrou na Gráfica Papagaio.
- Bom dia, parceiro! - o guarda cumprimentou o balconista que atendia um rapaz, depois concordou com a cabeça que poderia esperar.
Assim que o cliente saiu, o atendente foi atrás e virou a placa da porta de entrada para “FECHADO”.
- E aí, Juseppe, que rolo tu arrumou pra mim?
- Aqui ó, Maurício... Esse é o documento, tá entendendo? Aí, tu faz uma cópia. Depois tem que trocar essa assinatura. E essa outra aqui, ó, tem que fazer de novo. Mas tem que ficar idêntica – sustentou o guarda.
- Tá fácil! - disse o balconista, que pegou o documento e guardou em uma gaveta – isso é trabalho extra, vou deixar pra depois – e voltou até a porta da gráfica alterando a placa para “ABERTO”.
- E o Cabelera? Tá lá atrás?
- Tá sim, chega aí.
Juseppe passou pelo balcão de atendimento e depois pela porta que ficava logo atrás. Jaciara entrou na gráfica. Maurício achou melhor não dizer que Juseppe estava ali, diria se ela perguntasse. Jaciara fez uma cópia de uma oração de São Jorge e estranhou o atendimento apressado de Maurício, mas foi logo embora.
Lá atrás, Juseppe conversava com Cabelera.
- E aí!? O que entrou de novidade!?
- Sabe, Juseppe? Os bichos tão chegando muito machucados. Olha aí – disse Cabelera, apontando com o olhar para uma lata de lixo.
Juseppe esticou o pescoço e viu um papagaio morto dentro da lata.
- Argh! Tem que reclamar! Tem que reclamar! Esse veio de onde!?
- Do Catarina!
- Nossa! Que descuido! Bicho morto não dá, né!? Vai largar aonde isso agora? - Juseppe ficou em silêncio um instante - Eu tinha que estar no parque, mas pode deixar que eu vou passar na chácara do Catarina antes de ir pra lá e resolvo essa parada. Bicho morto não dá – repetiu indignado e saiu batendo a porta.
Juseppe olhou para Maurício de cara amarrada. O balconista sorriu e voltou a atender uma senhora. O guarda não deu importância e interrompeu.
- Amanhã cedo tá tudo pronto?
- Com certeza, Juseppe – dirigiu-se para a cliente – Só um minuto, senhora – voltou-se para Juseppe – A Jaciara teve aqui agora.
- E ela me viu!? Veio fazer o quê!?
- Fez uma fotocópia e foi embora. Acho que não te viu, não.
- Menos mal, Maurício, menos mal... Amanhã eu passo aqui, então. Toma cuidado, viu!?
Juseppe saiu da gráfica e Maurício voltou a atender a velhinha.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

Episódio 10


Varre Tudo caminhou por mais algumas quadras, sempre mantendo o ritmo acelerado. Os passos largos davam a impressão de que estava correndo ou fugindo de alguém. O esforço por movimentar-se rapidamente somado à agonizante sensação de estar sendo perseguido e observado deixaram-no com a respiração ofegante. Varre Tudo estava visivelmente assustado e, de minuto em minuto, voltava-se para trás e espiava por cima do próprio ombro pra verificar se havia alguém à sua espreita.
Cada vez mais apreensivo, Varre Tudo procurou concentrar-se em sua ligeira caminhada. Mantinha os olhos fixos nas emendas da calçada e tentava evitar olhar para trás. Estava próximo a uma esquina, prestes a atravessar a rua, quando, ao levantar a cabeça para ver se o semáforo indicava livre passagem, foi surpreendido. Um homem alto, todo vestido de preto e com um chapéu de mesma cor, o empurrou violentamente. O varredor não teve tempo de reagir e, em uma fração de segundo, viu-se estendido próximo ao cordão da calçada. O tombo o fez sentir as costas e os cotovelos, partes do corpo que foram de encontro aos paralelepípedos irregulares. Gemendo de dor, Varre Tudo tentava se recompor do susto e entender o que estava acontecendo, quando ouviu uma voz ameaçadora lhe comandar:
– Passa já a carteira, varredor! Depressa! – ordenou o homem que o havia empurrado.
– O quê? – perguntou Varre Tudo, desnorteado.
– Eu mandei me passar a carteira! É um assalto! E anda logo com isso, varredor! – gritou mais uma vez o homem de vestimentas pretas.
Varre Tudo deu uma olhada ao seu redor. Em plena luz do dia, não avistou ninguém circulando pelas ruas, apenas alguns carros que passavam indiferentes ao que lhe acontecia. De qualquer maneira, Varre Tudo logo desistiu de pedir socorro. Ao passar os olhos rapidamente pela silhueta do assaltante, percebeu que o homem mantinha uma das mãos dentro do longo e pesado casaco preto, dando a idéia de que empunhava uma arma de fogo. Nunca havia tido a experiência de ser assaltado e, agora, sabia exatamente o quanto a situação era aterrorizante.
– Vamos logo com isso! Tá querendo levar um tiro? – ameaçou o assaltante ao mesmo tempo em que mexia a mão encoberta pelo casaco, com o intuito de deixar claro que estava portando uma arma.
– Não, não. Já vai! Não atira, por favor! – implorou Varre Tudo, agora, muito assustado.
Sentado na calçada, o varredor começou a tatear os bolsos da calça do uniforme em busca de sua carteira. Encontrou-a e, quando estendeu a mão para entregá-la ao assaltante, levantou um pouco a cabeça e tentou identificar o homem, mas boa parte do rosto estava encoberta pelo grande chapéu negro.
– Finalmente! – disse o assaltante, arrancando, num movimento brusco, a carteira da mão de Varre Tudo. E, antes de afastar-se, disse em tom sarcástico:
– Até mais, Vassourinha!
O homem saiu correndo por entre os carros que passavam pela rua. Varre Tudo, ainda apavorado com o assalto, levantava-se da calçada. De pé, conferiu o uniforme e percebeu que uma das mangas haviam se rasgado na altura do cotovelo, provavelmente devido ao atrito com a calçada na hora em que foi derrubado. Convencido de que não havia nada que pudesse fazer naquele momento para recuperar sua carteira, Varre Tudo retomou sua caminhada em direção ao Parque dos Sabiás. No caminho, pensava sobre as últimas palavras ditas pelo assaltante antes de fugir – “Até mais, Vassourinha!”. Aquela frase de despedida o deixou incomodado, não apenas pelo fato de indicar um possível segundo encontro com o assaltante, mas também, porque, até então, apenas Juseppe o chamara de Vassourinha. “Será que o assalto estaria, de alguma forma, relacionado com Juseppe?”, perguntava-se o varredor.
Em poucos minutos, Varre Tudo chegou ao parque. Lá, foi direto ao encontro de Josias e Shirley para logo contar aos colegas o que havia lhe acontecido.
– Bom dia, Varre Tudo! – cumprimentou Shirley, que varria um punhado de folhas secas para dentro da linguaruda. – Como tu te atrasou, eu peguei teu carrinho, tua vassoura e a linguaruda e comecei a varrer por aqui. – explicou ela.
– Não tem problema, Shirley. Me atrasei porque fui assaltado no caminho da prefeitura até aqui. Tomei o maior susto. – disse Varre Tudo para a colega.
– Capaz, Varre Tudo! Sério? Minha nossa, mas e tu tá bem? Não te machucaram? Quem te assaltou? O que levaram de ti? – indagou a varredora, surpresa com a notícia.
– Eu estou bem, só rasguei o uniforme e esfolei o cotovelo por causa do tombo. Quem me assaltou? Sei lá, né, Shirley. Como é que eu vou saber? A única coisa que consegui ver foi que o assaltante tava todo vestido de preto, com chapéu preto e tudo. E ele me levou só a carteira...e, peraí...
Varre Tudo tateou os bolsos a fim de encontrar o documento que pegou na prefeitura, mas não encontrou. De repente, um calafrio lhe percorreu o corpo e ele disse à Shirley:
– Não pode ser! Eu tinha colocado o documento dentro da carteira! O assaltante levou com ele! Não acredito! – exclamou Varre Tudo, apavorado.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Episódio 9


Encontrou uma carta, com letras recortadas de revistas, e um boneco de pano de chapéu e uniforme.
- Meu Deus! Que brincadeira de mau gosto é essa? – surpreendeu-se Varre Tudo.
Antes mesmo de terminar a leitura da carta anônima, jogou a caixa em cima da cama e, com medo, saiu às pressas rumo à Prefeitura.
- Vou passar na Prefeitura antes de ir trabalhar. Se alguém quer me ver pelas costas, eu vou me garantir. É hoje que pego aquele documento e fico um pouco mais seguro. – ponderou, apressando o passo.
Durante o trajeto ficou pensando nas coisas estranhos e absurdas pelas quais passara nos últimos dias. Não entendia certas coisas, e por que tudo aquilo estava acontecendo com ele, justo ele, Altayr, um cara simples, de vida regrada e muitos sonhos. Enquanto pensava nisso, esqueceu-se por instantes da caixa e da carta anônima. Nem percebeu que saíra de casa sem comer nada e, quando a barriga roncou, parou no primeiro barzinho que viu.
- Um pastel de carne e uma xícara de café com leite, por favor. – disse, voz baixa e olhar atento.
- Pra viagem? – disse o senhor bigodudo e com camiseta física, do outro lado do balcão.
- Não, é pra comer aqui mesmo. O leite bem quente, tá?
- Sim, sim. Vou lá dentro preparar.
No instante em que Varre Tudo começou a folhear o jornal, como fazia todas as manhãs, viu pela vidraça do bar um vulto passando rapidamente. Quando se inclinou para ver melhor, enxergou o vulto entrar na cozinha, pela porta dos funcionários, que ficava do lado de fora do bar.
- Devo estar enxergando coisas. Só pode! Onde já se viu... Aquele dia foi na Árvore do enforcado, hoje de novo... Devo estar com mania de perseguição. – sussurrou tentando concentrar-se na leitura.
- Aqui está, moço, seu pastel. O café já vem porque o funcionário novo recém-chegou. Ele tá em experiência, mas o “gajo” é bom. Foi um vizinho meu, que é guarda municipal, que indicou ele pro serviço.
Ao ouvir as palavras ‘guarda municipal’, Varre Tudo lembrou-se logo de Juseppe, aquele “mala”. Riu baixinho.
- Aqui está, seu Varre Tudo. – disse o funcionário novo, olhando para o chão.
- Ué, como sabe meu nome? – surpreendeu-se.
- É, hum, arrr... todo mundo sabe, né! O senhor é famoso... – disfarçou o jovem atendente, sorrindo, enquanto recuava lentamente para trás do balcão até se enfiar na cozinha e não aparecer mais.
Varre Tudo, que já estava com a pulga atrás da orelha, resolveu não arriscar. Levantou-se, pagou e saiu apressadamente. Na mesa onde estava, ficou somente o jornal e a xícara de café, intocada.
Caminhou mais um pouco e chegou à Prefeitura. Quis apressar-se para não ter a infelicidade de encontrar dona Rosinha logo cedo. Pegou o envelope na sala indicada e saiu, sem nem conferir o conteúdo do mesmo.
Do lado de fora, o sol brilhava por entre as nuvens. Varre Tudo sabia que o dia seria muito bonito, um excelente dia de trabalho. Enquanto caminhava, sentiu um aperto no peito e teve a sensação de estar sendo seguido. Apressou o passo e parecia que alguém caminhava atrás dele, no mesmo ritmo, como se não o pudesse perder de vista.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Episódio 8


... eles querem acabar com um tal documento e que o prazo é até o fim da semana. Senão... – ah, Josias, conta aí direitinho, tu que ouviu eles! – disse Shirley.
Josias suspirou e começou a falar, ainda mais baixo do que a amiga.
- Bom eles falaram que vão pegar custe o que custar, mesmo que tenham que "quebrar a Vassourinha" de vez. E aí o Juseppe falou que ama....- Josias parou de falar receoso.
Varre Tudo e Shirley olharam para a frente e o Capitão os encarava pelo espelho. Shirley, então, disfarçou e pediu ao amigo para contar detalhes da visita. Ele começou a falar entusiasmado.
- A visita foi ótima. Espero que o prefeito de Bento Largo invista nas reciclagens e em ações que preservem o meio ambiente. A cidade dele é maior que a nossa e as mudanças vão trazer benefícios para muitas pessoas. Ele ficou interessado. E olha só, adivinhem o que mais chamou a atenção dele na associação? - questionou Varre Tudo - com um largo sorriso.
- A Oca do seu Vento! - exclamou Shirley.
A Oca do seu Vento era uma casinha construída com diversos materiais encontrados no lixo. Seu Vento, que na verdade se chamava Peri, era um índio que vivia na cidade há muitos anos e não entendia como o ser humano podia causar tanta destruição ao lugar onde vivia. Em sua casinha colorida, feita com restos de caixas de leite, embalagens de refrigerantes e de sucos, folhas de cadernos, com temas e poesias, ele vivia em mundo dos sonhos, como gostava de falar aos colegas da reciclagem.
- A oca chamou a atenção sim! O prefeito até entrou nela e fez questão de conhecer o seu Vento e tirar fotos com ele. Mas, ele ficou impressionado mesmo com as imagens dos santos. Acho até que ficou com um pouco de medo. Até contei pra ele do dia em que nós nos incomodamos com a fiscal, aquela Rinalva Shillin, que nos atormentou a tarde toda para recolher a macumba que tinham feito lá no parque. – disse Varre Tudo rindo.
- Aquela sim era medrosa! – afirmou Shirley.
- Ei! Não sei do que estão falando, me ponham na conversa! – gritou Josias indignado.
- Tinha uma bandeja lá no parque com bombons, balas e pirulitos. Ela mandou a gente limpar e veio atrás pra ver se tínhamos recolhido a bandeja e começou a gritar quando viu que eu e o Varre estávamos comendo os bombons. Eu dou risada até hoje da cara dela. Ela ficou chocada! E até ameaçou a gente. – conclui Shirley sorridente.
De repente, o Capitão do Mato deu uma freada brusca; Varre Tudo, que estava distraído, caiu no chão.
- O que tu tá fazendo? Tá maluco, cara? – indagou Josias.
- Fica na tua, Josias. Tenho que resolver uns lances aqui e já volto. – gritou o Capitão, enquanto descia da Kombi.
O Capitão caminhou alguns passos e entregou um envelope a um homem. Enquanto Shirley tentava ver o homem, que estava no escuro e vestido de preto, com um chapéu encobrindo o rosto, Varre Tudo indagava o amigo para que contasse o que mais tinha ouvido da conversa entre Juseppe e o Capitão.
- Ele disse que amanhã vai... droga, ele já está voltando – sussurrou Josias.
Os amigos percorreram o resto do caminho em silêncio. Mas mesmo perdidos em pensamentos todos pensavam no que o Capitão estava planejando. Eles tinham parado em frente a um bar, em um dos bairros mais perigosos da cidade. Varre Tudo pediu para ficar primeiro em casa; ele inventou uma desculpa, mas todos sabiam que queria evitar ficar sozinho com o Capitão. Josias disse que ia ficar com o amigo, mas quando tentou descer da Kombi, o Capitão arrancou e ele caiu sentado. Eles estavam assustados, e Varre Tudo ficou ainda mais ao chegar em casa. Não tinha luz e o sinal do telefone estava mudo. Ele respirou fundo e decidiu tomar um banho frio para pôr a cabeça no lugar. Depois do banho, caiu na cama e, quando abriu os olhos, o dia já estava amanhecendo. Ele levantou e foi até a janela.
- Foi apenas um sonho. Ninguém seria tão maluco a ponto de fazer tudo isso, apenas para impedir... – ele interrompeu seus pensamentos, ao olhar para o portão da casa. Havia uma caixa lá. Ele abriu a porta, pegou a caixa e quando a abriu...

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Episódio 7


- Esse é o trabalho realizado exclusivamente pelas mulheres. Elas separam todo o material que depois será prensado, tarefa dos homens. – explicou Varre Tudo para os prefeitos.
- E estas máquinas? – perguntou o prefeito de Bento Largo.
- Ah! Elas foram compradas pelos próprios membros da associação. Elas servem pra prensar o material que é separado pelas mulheres. Os homens são responsáveis por esse serviço. Mas, quem pode explicar melhor como é o processo dentro de uma reciclagem é a Jaciara, que construiu essa associação com os amigos, que eram desempregados. Jaciara, explica pra eles como é a associação. – falou Varre Tudo, cutucando a amiga com o braço.
- Bem! – exclamou a moça, um pouco tímida e falando baixo. – essa associação nasceu porque eu e mais dois colegas fomos dispensados de uma fábrica. Não conseguíamos arrumar emprego e, conversando com outras pessoas, vimos que poderíamos retirar a nossa renda do lixo. O pessoal da Pastoral nos ajudou e montamos essa associação. No começo foi complicado, tínhamos muitas contas e nos primeiros meses recebemos pouco dinheiro. Agora, depois de 10 anos trabalhando aqui, aprendemos que a associação é um projeto de vida que dá certo, no momento em que todos se unem para um bem comum. – disse emocionada Jaciara, que dera tudo na vida para ver a associação bem das pernas, como dizia seguido. – Agora – continuou ela. – queremos saber se esse novo processo de coleta de lixo da prefeitura não vai desempregar o pessoal e se os bairros também vão receber os contêineres, né, seu prefeito?
Mostarda Mourão fez de conta que não ouviu Jaciara e pediu para que a turma de autoridades se dirigisse para o carro, era hora de voltar para a prefeitura. No momento em que as autoridades e Varre Tudo saíram do galpão da associação, Juseppe se postou ao lado de Varre tudo e falou.
- Vi a forma como você olhou pra Jaciara. Não se esqueça de que ela é minha namorada. – falou baixinho e com o rosto crivado.
- Juseppe! – exclamou Varre Tudo. – Nem vi você chegar.
- Não grite, espero que entenda de uma vez por todas que Jaciara é minha namorada e que não pretendo fazer corpo mole para as suas insinuações. Só porque agora você está todo poderoso com aquele documento. Aliás, já recebeu o comunicado oficialmente?
- Ainda não, talvez amanhã.
- Fique ligado, garoto, estou de olho em ti. – falou ainda mais brabo Juseppe, estalando os dedos e batendo no peito de Varre Tudo.
- Agora começo entender – pensou Varre Tudo. - capitão do Mato me enfiou naquela Kombi, acho que eles estavam de complô contra mim. Ele não queria que eu viesse com as "autoridades" para a associação. Juseppe é danado mesmo. O pensamento foi interrompido pelas palavras de Mostarda Mourão.
- Bem! Agora que conhecem uma de nossas tantas associações de recicladores, precisam voltar para a cidade outro dia para conhecer o Aterro Sanitário Alcalina, que é um exemplo de como o lixo produzido pela nossa comunidade é descartado.
O dia de trabalho de Varre Tudo e a turma da COVAT já estava terminando. Às 17h chegaram à prefeitura, onde Capitão do Mato esperava por Varre Tudo. Shirley e Josias já se encontravam na Kombi e estavam ansiosos para conversar com o amigo.
- Escuta, Varre Tudo. – cochichou Shirley. – Quando você embarcou com as autoridades, Capitão do Mato chegou aqui muito brabo. Depois, chegou Juseppe. Eles conversavam baixinho e Juseppe mexia as mãos sem parar. Josias chegou meio perto deles, se escondendo por entre as árvores aqui da Prefeitura e ouviu que ...

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Episódio 6


Os três embarcaram no carro, Seu Mostarda, Benedito e Varre Tudo. Saindo do restaurante, seguiram para a Casa de Reciclagem da Associação dos Empregados pela Reciclagem. Benedito indagou:
- Empregados pela Reciclagem!??
- Pois é... A história desse pessoal é muito bacana. A Jaciara começou a catar lixo. No começo, recolhia latinhas de refrigerante, vendia e já ganhava um bom dinheiro. Depois ela descobriu que, aqui na cidade mesmo, tem uma indústria de plásticos que recicla garrafas pet. Um dia, ela encontrou o Marcelo, que falou que também estava sem emprego, mas que estava fazendo parte de uma cooperativa habitacional e conhecia outros desempregados. Aí, ele começou a recolher lata também. Depois apareceu mais gente e, a idéia foi da Jaciara, eles montaram a Associação, que é o emprego deles... - esclareceu o varredor.
- Nossa! E agora a reciclagem emprega mais gente!? - quis saber o prefeito de Bento Largo.
- Sim! E assinam a carteira! Tudo registrado como tem que ser. A associação tem quase dez anos.
Seu Mostarda olhava para Benedito com um sorriso e depois indicava o olhar para Varre Tudo, com uma levantada de sobrancelhas parecia dizer: “Escuta o guri! Ele sabe de tudo”.
Enquanto seguiam pelo caminho, um tanto longo, já que a reciclagem ficava no Bairro Elevado, no interior de Nova Rita Santa, Varre Tudo se lembrou do documento, começou a pensar e ficou calado por um tempo. Seu Mostarda ouvia o prefeito Benedito que falava e falava de Bento Largo. Parecia estar com ciúmes do grande destaque que Nova Rita Santa vinha tendo pelo serviço da coleta seletiva. Então, tentava contar as vantagens de seu município, ou então lamentava-se:
- Ah... Lá na nossa cidade... não sei não... até o projeto engrenar... não sei não...
Seu Mostarda percebeu a quietude de Varre Tudo. Abriu a boca para fazer um comentário. Ele sabia. Mas deixou Varre Tudo com seus pensamentos.
Chegaram na reciclagem. Varre Tudo estava com a cabeça tão distante que se assustou quando o automóvel parou. Jaciara estava na porta. Mais dois carros pararam, neles estavam as outras autoridades. Um ou outro fez cara feia quando sentiu o cheiro de lixo que havia no lugar.
- Esse cheiro não é nada. Se preparem para visitar o aterro! - brincou Varre Tudo, percebendo a cara dos prefeitos.
O barulho estridente dos cacos de vidro chamou a atenção das autoridades. Dois funcionários varriam do segundo andar da Casa de Reciclagem para a carreta de um caminhão os cacos já separados.
- Vamos entrando pessoal, vamos conhecer a reciclagem!
Varre Tudo entrou seguido pelos prefeitos. Tudo na reciclagem chamava atenção. Ao lado da porta, lixeiras azuis com seringas. Mais adiante, sob a escada da sala da direção, garrafas de vidro. Por todos os lados da casa, fardos com o material já prensado. Tudo era separado. Um fardo era de garrafas de água, outro tinha potes de amaciante de roupa, outro embalagens de salgadinhos.
Ao fundo, em andar superior, as meninas separavam o material que ali era depositado. Parecia um jogo de basquete, só que com muitos cestos, em cada um elas jogavam um tipo diferente de lixo.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Episódio 5


O carro em que Varre Tudo estava, acompanhado por Seu Mostarda e pelo prefeito de Bento Largo, Doutor Benedito, percorreu as ruas da cidade por cerca de cinco minutos até que o motorista estacionou em frente ao restaurante Bom Sabor. Assim que desembarcou, Varre Tudo sentiu o cheirinho de comida que escapava pela porta de entrada do restaurante e pensou: “hum...este vai ser um almoço especial”. Afinal, eram raríssimas as vezes em que tinha a oportunidade de almoçar em um dos restaurantes mais tradicionais da cidade em plena segunda-feira.
Logo que entraram, Varre Tudo, Seu Mostarda e os demais prefeitos foram conduzidos por um dos garçons até uma mesa. Todos se acomodaram e começaram a folhear os cardápios. Varre Tudo estava se sentindo um pouco desconfortável naquela situação, sem saber exatamente o que dizer e como se comportar. Em meio a enorme variedade de pratos sugerida no cardápio – “lasanha aos quatro queijos”, “spaguetti ao molho branco”, “risoto de aspargos” – Varre Tudo não tinha a mínima idéia do que escolher. Resolveu, então, aguardar a decisão de Seu Mostarda e dos prefeitos.
– Senhores, que tal pedirmos uma lasanha aos quatro queijos acompanhada de um filé com aspargos? – sugeriu Seu Mostarda.
Todos concordaram, inclusive Varre Tudo, que ficou contente com a escolha. Em seguida, fizeram o pedido ao garçom. Enquanto aguardavam o preparo da comida, os prefeitos conversavam sobre o inovador sistema de coleta de lixo recém-implantado na cidade. Seu Mostarda falava das vantagens e dos desafios que essa novidade trazia para Nova Rita Santa. Varre Tudo, entretanto, estava pensando longe. Muitas coisas inusitadas já haviam lhe acontecido apenas na parte da manhã. Primeiro, o recebimento daquele documento que poderia mudar a sua vida. Depois, a “visão” do enforcado no parque e, logo em seguida, o comportamento esquisito do Capitão do Mato enquanto conduzia a Kombi. Varre Tudo podia sentir que algo muito estranho estava acontecendo. Absorto em seus pensamentos, ele foi interrompido por Seu Mostarda.
– Altayr, eu estava contando ao Doutor Benedito e ao Senhor Soares que a nossa cidade é pioneira no país na implantação de uma coleta de lixo automatizada. O sistema que adotamos é o mesmo utilizado em outras cidades da América Latina, como Montevidéu e Santiago. O que você acha sobre essa inovação? – perguntou Seu Mostarda, ansioso pelo posicionamento de Varre Tudo.
– Bom, acredito que a implantação dos contêineres nas regiões centrais da cidade seja uma forma de modernizar a coleta de lixo. Além disso, a existência de um contêiner para os resíduos orgânicos e de outro para os seletivos pode servir de incentivo para que a população separe cada vez mais o lixo. – disse Varre Tudo, demonstrando domínio do assunto.
– Que maravilha! – exclamou o prefeito Soares. – Esse é realmente um grande passo em benefício da cidade. Mas, e quanto aos coletores que antes trabalhavam com a coleta do lixo nessas áreas onde foram colocados os contêineres? Eles serão dispensados? – indagou o prefeito.
­– Não, isso não vai acontecer. – respondeu Seu Mostarda. – A COVAT não pretende demitir nenhum de seus funcionários. É verdade que a coleta do lixo orgânico nas regiões centrais não precisará mais do auxílio dos coletores, visto que agora é automatizada, mas esses trabalhadores não ficarão sem emprego. Eles serão encaminhados a outras áreas onde a coleta ainda é manual, ou passarão a exercer outras funções dentro da empresa, como a varrição das ruas e dos parques.
– Ótimo! – disse o prefeito Soares. – Está aí uma iniciativa a ser copiada. Vamos estudar a implantação desses contêineres na nossa cidade também.
Após alguns minutos de conversa, o pedido chegou à mesa. Tanto a lasanha quanto o filé estavam deliciosos e, entre uma garfada e outra, Varre Tudo respondia às perguntas e indagações dos prefeitos visitantes sobre seu trabalho e sua fama na cidade. Assim que terminaram de almoçar, deixaram o restaurante e seguiram em direção à principal associação de reciclagem da cidade, a fim de conhecerem o trabalho dos recicladores. Varre Tudo estava contente em acompanhar Seu Mostarda e os prefeitos até a associação, pois lá encontraria com sua amiga, Jaciara, uma das colaboradoras.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Episódio 4


De tanto ser interrompido, Varre Tudo decidiu deixar para lá o assunto que o incomodava. Resolveu focar-se no trabalho e preparar-se para enfrentar a bagunça que devia estar a prefeitura. Imaginou até a dona Rosinha, secretária do prefeito Mostarda Mourão, com aquelas unhas vermelhas e cabelo duro de laquê. Ele estava apavorada com toda aquela sujeira, justamente quando tem visita na cidade. Riu sozinho quando pensou no chilique da senhora.
- Que tu queria me falar, Varre Tudo? - diz Shirley, olhando fixamente para o amigo.
- Ah, nada não, não tem importância. Era besteira.
Ainda na Kombi, Varre Tudo relembrou a visão que tivera na Árvore do Enforcado. Sentiu um arrepio na espinha e, quando menos esperava, seus pensamentos foram interrompidos pelo solavanco do veículo.
- Desce aí pessoal. E tu, Vassourinha, vem comigo que preciso te mostrar uma coisa. - disse o Capitão do Mato.
- Ué, por que a gente não vai junto? Sempre sobra pra nós... Aposto que o famoso Varre Tudo vai fazer palestra pras autoridades. - brincou a amiga Shirley.
- Não te envolve, rapariga, esse assunto não te diz respeito. Não te mete onde tu não é chamada. - disse o Capitão do Mato, ríspido como de costume.
Shirley e Josias, já acostumados com as "patadas" do Capitão do Mato, arquearam a sobrancelha, olharam-se e riram baixinho. Saíram sem olhar pra trás e, mal juntaram seu equipamento, a Kombi já arrancava cantando pneus.
- Aonde vamos? - perguntou Varre Tudo.
- Preciso fazer uma coisa, e tu vai comigo. Tu é meu, meu... como é que se diz mesmo? “Ábili”? Aquele que tá junto, que viu tudo, a testemunha... - comentou o motorista, com o olhar fixo no trânsito da cidade. Acelerava muito, e aquela situação estava deixando Varre Tudo preocupado.
- Álibi. - disse Varre Tudo, que era conhecido pelos colegas como "enciclópedia ambulante", pois sabia de tudo um pouco, um pouco de tudo. - Mas álibi do quê? Pra quê? Não tô gostando disso... Acho melhor tu me deixar aqui. Se a dona Rosinha vê que eu não tô limpando na Prefeitura, vai ligar pro Seu Pedroca.
- Fica quieto. Tu vai comigo e ponto final. - vociferou o Capitão.
Varre Tudo nunca tinha visto o Capitão daquele jeito. Os olhos fixos, o suor molhando a camisa, o nervosismo evidente. Quase sem raciocinar, esperou a primeira sinaleira fechar e pulou num só movimento da Kombi. Correu o máximo que pode, sem olhar pra trás, e a boa forma física devido ao trabalho como varredor lhe rendeu um bom pique.
Em menos de 15 minutos já estava na frente da Prefeitura de Nova Rita Santa e, como previa, dona Rosinha estava lá, gesticulando e tentando organizar tudo por ali, ao mesmo tempo em que recebia as "autoridades".
- Quase liguei pro Seu Pedroca atrás de ti. Não entendo como vocês têm tanta liberdade de andar por aí, sem ninguém de olho. É nisso que dá. – disse dona Rosinha, corada de tão furiosa.
Varre Tudo não tinha tempo para discursos, e muito menos para contar aos amigos o que aconteceu na Kombi, pois Seu Mostarda saíra do prédio naquele instante e acenara para ele. Quando se aproximou, o prefeito apresentou Varre Tudo, chamado por ele de Altayr, aos prefeitos das cidades vizinhas. Os colegas de política estavam tão interessados no sistema de coleta e reciclagem da cidade, que efusivamente cumprimentaram o tímido varredor.
- Prazer, prazer, estamos ávidos por novidades e com muita disposição para aprender tudo com vocês. Queremos ver, passo a passo, todo o processo do lixo. Mas como ninguém é de ferro, queremos ver, principalmente, a parte de reciclagem, pois a gente bem sabe que as associações geram emprego e renda. – dizia o Doutor Benedito, prefeito de Bento Largo, cidade vizinha. Benedito nunca perdia a chance de fazer um “discurso político” quando havia uma platéia.
- Aproveito para convidá-lo, senhor Altayr, para almoçar conosco. Venha, assim podemos iniciar agora mesmo nosso aprendizado.
Antes mesmo de pensar na proposta, Varre Tudo foi “enlaçado” por seu Mostarda pelo braço, e caminharam todos em direção aos carros oficiais.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Episódio 3


Mal ele terminou de falar, avistaram a Kombi da COVAT cruzando a entrada principal do parque.
- Nossa! O que ele faz aqui tão cedo! – exclamou Josias.
- No mínimo, a praça está imunda. – arriscou Shirley.
Varre Tudo, que estava decidido a compartilhar com os amigos a ansiedade e angústia que sentia desde cedo, perdeu a coragem. Afinal, a vida deles de certa maneira também iria mudar. Ele suspirou e tentou deixar os pensamentos de lado e se concentrar no trabalho.
- Vamos varrer, pessoal! Até ele circular o parque termino pelo menos essa rua! E, Josias, o vento está vindo do sul, então vamos varrer ao contrário! – disse Varre Tudo.
- Calma! Eu sei que temos que varrer contra o vento! Ei, o que deu em ...
Varre Tudo deixou o amigo falando sozinho. Ele começou a varrer o parque como quando ganhou o apelido, parecia um desenho animado, com o rosto escondido pelo chapéu, não deixando nada para trás nem sequer um toco de cigarro. Varre Tudo precisava ficar sozinho, seu pensamento acompanhava os movimentos da vassoura.
- Shirley, o que deu nele? – perguntou Josias, magoado.
- Não dá bola. Ele deve estar com problemas, logo passa. Vem, vamos ajudar ele. – chamou ela.
Eles seguiram o amigo e os três varreram a rua em silêncio, com a sincronia de sempre. Os rapazes varriam e Shirley ajuntava o lixo com a linguaruda. Chegaram ao Buraco da Arzelina e Varre Tudo sentiu um calafrio ao olhar para a Rua do Enforcado. Ele conteve o grito, fechou os olhos e, quando abriu, não viu mais nada.
- O que está acontecendo? – pensou em voz alta.
- O que tu tem, cara? Não confia mais na gente? – perguntou Josias.
- Pô, Altayar! Fala de uma vez! – gritou Shirley.
- Te deixei braba? Tu só me chama assim quando está muito braba comigo, mas eu preciso de um tempo. Sei que estou estranho hoje, mas vai passar. É que eu...
- Pronto! Lá vem o fiscal! – disse Shirley olhando a Kombi se aproximar.
- Ei, Capitão do Mato! O que faz aqui tão cedo? – perguntou Varre Tudo.
- Estourou um cano na frente da prefeitura, tem lixo espalhado por tudo, vim buscar vocês! Vamos! – disse ele.
- Faz um tempão que te vimos chegar! Mais de uma hora pelo menos. O que tu tava fazendo?
- Eu. Ah. Eu não te devo explicações, Josias! Entra aí e vamos de uma vez, que as “autoridades” têm visita de fora hoje. Querem conhecer a reciclagem.
Varre Tudo foi o último a entrar na Kombi, ele continuava olhando a árvore. Nunca havia sentido medo daquela árvore, mas hoje, depois da “visão” que teve, ele ficava arrepiado. Quando passaram ao lado dela, ele percebeu o quanto era sinistra a árvore do Enforcado. Ela era diferente em meio às outras, assustadora, na verdade. Mais uma vez foi interrompido.
- E então, Vassourinha? Tu que sempre está por dentro das notícias, por que querem conhecer a reciclagem? – indagou o Capitão do Mato.
Varre Tudo, ignorando o “Vassourinha”, que era a forma encontrada pelo Capitão para tirá-lo do sério, respondeu.
- Desde que instalaram as novas lixeiras, a população está separando o lixo orgânico do seletivo, o que vem contribuindo para a educação e conscientização ambiental, além de garantir que o pessoal da reciclagem tenha a renda garantida. Acho que é por isso. – afirmou ele.
A COVAT era responsável pela implantação de um novo modelo de coleta de lixo e as pessoas ainda estavam se adaptando. Varre Tudo se lembrava das primeiras conversas sobre o sistema, o medo dos funcionários de perderem o emprego, tudo ainda era muito vago, ninguém tinha certeza do que realmente ia acontecer. Mas Varre Tudo tinha outras coisas na cabeça naquele momento. Ele estava tão longe que nem percebeu que Juseppe se afastava da árvore do Enforcado, com uma expressão estranha no rosto...

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Episódio 2


Seria realmente muito estranho e assustador se uma mudança tão radical acontecesse em sua vida. Varre Tudo estava confuso e assustado com as mudanças que poderiam ocorrer, principalmente em seu dia-a-dia. Acostumado à agitação do trabalho na COVAT, ele estava com a pulga atrás da orelha. Mas lembrou-se da frase da sua mãe, Rebeca. “Tudo é uma questão de habituar-se”. E foi assim também na COVAT, foi uma questão de habituar-se ao local. Resolveu que era muito cedo para contar a novidade a alguém.
Relembrar a sua trajetória era como relembrar a própria história da COVAT, que foi fundada há pouco tempo pelo atual prefeito, seu Mostarda Mourão. Nova Rita Santa era um município pioneiro na reciclagem do lixo, até ganhou prêmio nacional de cidade mais limpa do Brasil. Uma beleza! Nova Rita Santa também concentrava a maior cadeia de Associações de Recicladores do Estado. A maioria das pessoas do interior do município ou de bairros mais pobres tiravam a renda do lixo. Varre Tudo inclusive fazia parte da equipe responsável por mostrar aos alunos das escolas como era o processo de reciclagem.
Mas, antes de qualquer coisa, antes de se perder em suas lembranças, era preciso trabalhar. E trabalhar significava varrer todas as ruas do Parque dos Sabiás, que estava muito sujo em função do final de semana. Pegou sua vassoura e deixou dona Arzelina preparando o café, que ela fazia questão de fazer todos os dias.
- Tchau, dona Arzelina! Tô indo. - e foi tão rápido que a pequena senhora, de pele negra e passos curtos, nem pode se despedir direito.
- Já vai, meu filho? Toma um café. Mas esse menino não leva jeito mesmo. Anda tão rápido por aí...
Varre Tudo desceu a escada, iria começar a limpeza pela rua do Enforcado, que ficou conhecida há uns dois anos porque um homem foi encontrado ali, nem precisa contar como.
- Onde tu vai, Varre Tudo, com tanta pressa? – perguntou Juseppe.
- Eu tenho que varrer a rua do Enforcado...
- O quê? – Perguntou o guarda. – que rua do Enforcada é essa rapaz. Tá ficando louco? – e, como não era muito dado à limpeza, Juseppe jogou no chão o toco de cigarro.
- Já falei que o senhor não deveria fumar tanto. Afinal....
- Afinal, meu rapaz, você não ia varrer a tal da rua??
- Sim. Seu Juseppe, eu queria conversar com o senhor. Hoje pela manhã eu recebi um documento do meu primo Jéferson... - não conseguiu terminar a frase, foi interrompido por Juseppe.
- Olha, se for para falar sobre aquela comunicação, eu sei... – disse Juseppe, muito brabo. – já me contaram. Então, meu caro rapaz, vá varrer a sua rua.
Varre Tudo juntou o toco de cigarro com a vassoura e empurrou para a linguaruda, uma espécie de pá que inventou junto com a Shirley e o Josias. A linguaruda era um saco de lixo amarrado com uma corda em um pau de vassoura, tudo para facilitar o recolhimento das folhas do parque. Juseppe saiu balançando a sua gorda barriga.
Varre Tudo ia em direção à rua do Enforcado, quando encontrou Shirley e Josias.
- Viu, galera! – gritou Varre Tudo. – Vamos para a rua do Enforcado, quero limpar aquela área e preciso da ajuda de vocês.
- Ai! Quanta sujeira. Não sei como é que pode as pessoas gostarem tanto dessa rua. Na segunda-feira tá sempre tão cheia de lixo. – resmungou Shirley.
- Olha! Olha! O Enforcado... Tô vendo ele... Meu Deus! – gritou assustado Varre Tudo.
Shirley e Josias correram na direção do amigo. Ao chegarem ao local, não viram nada.
- Mas eu podia jurar que ele estava naquela árvore. Vocês não acham que estou ficando louco, né?
- Hummm! – disse Josias. – eu acho que sim.
- O que está acontecendo, Varre Tudo, você está com uma cara estranha hoje. Algum bicho te mordeu? – indagou Shirley.
- Não, é que estou meio confuso. Tenho uma coisa pra contar a vocês, mas não sei por onde começar...

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Episódio 1



Acordou lá pelas 6h15min. Desligou o despertador. Espreguiçou. Estava frio e a vontade de levantar-se da cama era pouca. No chão, logo abaixo do bidê, ao lado da cama, Jubiabá entreaberto. Queria terminar a leitura do livro, mas havia lido apenas duas páginas quando o sono o venceu.
Pelas frestas da janela, a claridade entrava. Ainda assim, ele não podia saber se o dia teria sol ou chuva. Se fizesse sol, iria para o Parque dos Sabiás; com chuva, iria para a Praça Pio X.
Esticou os braços, afastou as cobertas e sentou na cama. Estava preocupado. O mês tinha tido muitos dias de chuva e ele havia pontuado poucas horas de trabalho. Estava ansioso. O encontro marcado com o primo naquela manhã poderia mudar sua história.
Levantou-se e abriu a janela. Seria um dia de sol e vento. Já sabia. Vestiu-se. Foi até a cozinha, tomou seu café ligeirinho e saiu para esperar a Kombi.
Altayr achava graça em ter ficado conhecido pela cidade toda como Varre Tudo, mesmo nome da companhia para a qual trabalhava. O apelido foi dado pelo colega Abelhão e colou igual apelido que se ganha na escola e se carrega durante a vida toda. Altayr varria tudo rápido mesmo.
- Varre tudo rapidinho! Assim, sobra menos serviço pra mim! – dizia rindo o Abelhão.
A Kombi parou. A Shirley e Josias, seus companheiros de serviço no Parque, já estavam nela. Quem dirigia era o Capitão do Mato. Pegaram os dois roçadores, Manuel e João, e os garis, Abelhão e Junior.
Shirley e Josias conversavam como bons amigos. Os roçadores, sempre quietos. Abelhão perguntava para Junior:
- Com quem vai se encontrar hoje, hein? Quem vai ser a namorada do dia?
Junior dispensava a resposta apenas com um olhar.
Varre Tudo pensava:
- Ninguém sabe.
Desembarcaram da Kombi na sala central da COVAT. Varre Tudo foi o primeiro a bater o ponto e logo vestiu o uniforme. Desta vez, não aguardou para ler o jornal, como fazia todas as manhãs.
- Eu já estou indo. Tenho que ver meu primo no caminho. Coisa rápida. Encontro vocês na sala do parque.
Descendo a pé até o parque, encontrou com Jéferson. Ele entregou o papel que havia sido impresso de uma página da internet. Varre Tudo leu o documento. Ele não sabia exatamente o que sentia. Ficou sério e muito pensativo. Despediu-se do primo.
No parque, a temperatura era mais baixa, pois as árvores e a profundidade do lugar não permitiam que o sol chegasse ali tão cedo. Varre Tudo cumprimentou o guarda Juseppe com a cara de sempre. Juseppe era tão lento, que quase nem viu Varre Tudo. Mas teve tempo de cumprimentá-lo, com o mesmo sorriso de todos os dias.
Varre Tudo nem sentia o frio. Estava concentrado no que tinha lido no documento. Subiu a escadaria para ir até a sala. Antes de dobrar e guardar o documento no bolso, ele releu o resultado. Na sala, havia só a dona Arzelina. Os colegas estavam a caminho. Queria contar para Arzelina, queria desabafar. Mas precisava pensar muito a respeito. Arzelina falava e ele nem ouvia. Seu pensamento não estava mais ali.