quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Episódio 15


Varre Tudo teve uma longa noite de sono. Os últimos dias haviam sido suficientemente agitados para deixá-lo exausto. Estava precisando descansar. Assim que o dia amanheceu, porém, o varredor despertou num salto. A imagem do incêndio e a lembrança do resgate de dona Arzelina invadiram-lhe o pensamento. Precisava ir ao hospital para ver a amiga. De certa forma, sentia-se responsável pelo bem-estar dela e prometeu a si mesmo que, tão logo fosse possível, iria visitá-la novamente. Varre Tudo se arrumou, tomou um rápido café da manhã e saiu de casa para trabalhar.
Como de costume, percorreu todo o trajeto de sua casa até o Parque dos Sabiás a pé. Era uma longa caminhada e, desde o dia do assalto, escolhia como caminho as ruas mais movimentadas para não correr o risco de passar por aquela terrível experiência mais uma vez. Varre Tudo se aproximava do centro da cidade quando ouviu uma voz feminina vinda do outro lado da rua gritar:
– Olha lá! É ele! É o herói do incêndio no parque! É o Varre Tudo!
O varredor, que caminhava distraído, levantou a cabeça e olhou ao seu redor. Percebeu que todas as pessoas que andavam na mesma quadra estavam olhando para ele. Algumas acenavam, outras faziam sinal de positivo com o dedão e todas, sem exceção, estampavam um largo sorriso no rosto, num misto de satisfação e aprovação. Varre Tudo levou alguns segundos para entender o que estava acontecendo, mas logo se deu por conta que as pessoas queriam parabenizá-lo pelo salvamento de dona Arzelina durante o incêndio. Estavam orgulhosos de sua atitude. Sentiu-se bem.
Foram apenas mais alguns passos até chegar ao seu destino. Enquanto descia a escadaria, avistou uma movimentação incomum na parte central do parque. Conforme foi se aproximando, percebeu que havia carros estacionados e várias pessoas que circulavam, impacientes, de um lado para o outro. Eram jornalistas. Parecia que toda a imprensa de Nova Rita Santa estava presente. Logo que Varre Tudo foi visto por um dos repórteres, todos correram em sua direção. Em poucos segundos, o varredor estava cercado por câmeras, microfones e gravadores.
Inevitavelmente, Varre Tudo passou boa parte da manhã dando entrevistas. Contou como tinha resgatado dona Arzelina, foi fotografado dezenas de vezes e fez uma revelação que deixou todos os jornalistas surpresos. Sincero e, sem medir as conseqüências que seu relato poderia desencadear, o varredor disse:
– Tive que agir da melhor forma possível pra salvar a dona Arzelina, porque o guarda responsável pela segurança do parque não tava aqui. Daí, o jeito foi enfrentar o fogo até que os bombeiros chegassem. – explicou Varre Tudo à imprensa.
Durante a tarde, depois que a agitação causada pela maratona de entrevistas e fotografias havia terminado, Varre Tudo apanhou seu carrinho, sua vassoura e a linguaruda e, enfim, começou a varrer o parque em companhia dos colegas Josias e Shirley. Conversavam sobre a fama de Varre Tudo, agora triplicada pelo ato heróico no incêndio, quando o celular de Shirley tocou.
– Alô? – atendeu a varredora.
– Alô? Shirley? Aqui é a Jaciara, da reciclagem. Tudo bom?
– Ah, oi, Jaciara! Tudo bom, sim. E contigo?
– Tudo certo. Me diz uma coisa, o Varre Tudo tá aí contigo?
– Ele tá, sim. Quer falar com ele?
– Sim, preciso falar com ele. É meio urgente. Obrigada, Shirley! – agradeceu Jaciara.
– Ô, Varre Tudo? Telefone pra ti. É a Jaciara, lá da reciclagem. Ela diz que precisa falar urgente contigo. – disse Shirley.
Varre Tudo encostou a vassoura no carrinho e foi ao encontro de Shirley. Ele estranhou receber uma ligação de Jaciara assim, no meio da tarde. Devia ser mesmo algo urgente. Desconfiado, pegou o celular da mão da colega.
– Alô?
– Oi, Varre Tudo. É a Jaciara. Olha só, tenho uma coisa pra te contar. – disse Jaciara.
– Oi, Jaciara. O que foi que aconteceu? – perguntou o varredor, já bastante curioso.
– É que eu encontrei um documento da prefeitura com o seu nome aqui na reciclagem. Chegou com o caminhão de hoje de manhã. E...é verdade o que tá escrito aqui, Varre Tudo? – indagou Jaciara, demonstrando estar surpresa com o conteúdo do documento.
Ao ouvir a notícia da amiga, Varre Tudo ficou pasmo. Tanto que nem conseguiu responder à pergunta. Ele tentava entender como seu documento, roubado durante o assalto, teria ido parar na associação de reciclagem.

Nenhum comentário: