quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Episódio 20


Um pouco perturbado com as revelações e angústias da amiga, Varre Tudo foi para casa e aproveitou o que ainda restava do domingo em frente à televisão. Enquanto assistia às tediosas atrações dominicais, pensava em Jaciara e tentava entender o que estava acontecendo. Sabia que gostava muito dela, mas, até então, considerava seus sentimentos como amizade, apenas. Preocupava-se, pela primeira vez, em decifrar o que realmente sentia pela amiga. Estaria apaixonado por ela? Deveria revelar seus sentimentos? Muitos eram suas dúvidas. Já nem prestava atenção nos programas da TV, tão longe estava com o pensamento. Não demorou muito e Varre Tudo resolveu tomar banho e ir para a cama, uma nova semana o esperava.
No dia seguinte, o varredor pulou da cama assim que o despertador tocou. Estava tomando o café da manhã quando ouviu o som repetido e insistente de uma buzina bem em frente à sua casa. Caminhou até a janela, afastou a cortina para poder enxergar através do vidro e avistou a Kombi da COVAT. Ficou surpreso em ver o automóvel, pois, há vários dias, Capitão do Mato não aparecia para buscá-lo em casa. Percebeu que Josias e Shirley já estavam na Kombi e, rapidamente, engoliu o restante do café, apanhou suas coisas e saiu.
– Bom dia, pessoal! – cumprimentou Varre Tudo ao embarcar na Kombi.
– Bom dia, Varre Tudo! – responderam os colegas, Shirley e Josias.
– Mas que demora! Tava dormindo ainda? – perguntou Capitão do Mato enquanto dava a partida.
– Não, não. Já tava acordado fazia tempo. É que não esperava que viessem me buscar em casa. – explicou Varre Tudo.
– Sei...vocês sempre têm uma desculpa para os atrasos. Só porque passei uns diazinhos sem vir buscar os dondocas em casa já se desacostumaram com a rotina. – disse Capitão do Mato com ar debochado.
– Pois é, Capitão, porque não veio buscar a gente nos últimos dias? Aconteceu alguma coisa? – perguntou Varre Tudo ao motorista.
– Ah, eu tava fazendo uns outros serviços por aí, coisas temporárias. Mas não devo satisfação nenhuma pra vocês! E não é da sua conta o que eu tava fazendo! – respondeu Capitão do Mato, grosseiramente.
– Tá bom! Tá bom! Não está mais aqui quem perguntou – disse Varre Tudo.
Percorreram o resto do caminho até o parque em silêncio. Capitão do Mato sempre era grosso e não gostava de bate-papo com os varredores, mas dessa vez ele parecia estar tentando esconder alguma coisa. Além de ter ficado visivelmente nervoso quando Varre Tudo lhe perguntou o motivo da ausência, era muito estranho que o motorista não aparecesse para buscá-los sem explicar o porquê.
Logo que desembarcou da Kombi, o varredor foi buscar seu material de trabalho e se dirigiu para a rua do Enforcado. Desde que começara a ver coisas entranhas naquela região do parque tentava evitar, a qualquer custo, varrer o local sem a companhia de alguém. Contudo, na segunda-feira, como de costume, o parque estava imundo devido à movimentação do final de semana e não teria jeito. Varre Tudo varreria a rua do Enforcado sozinho, pois Josias e Shirley limpariam, simultaneamente, outras regiões do parque para que a equipe ganhasse tempo e pudesse dar conta de tanta sujeira e folhas secas espalhadas.
Como não tinha outra escolha, Varre Tudo conduziu seu carrinho até a rua do Enforcado e começou a varrer as folhas para dentro da Linguaruda. Conforme adentrava a rua, o varredor ficava mais aflito e inquieto. Resolveu cantarolar uma canção qualquer para afastar o medo. Longe dali ele podia avistar Shirley varrendo a pracinha infantil na parte debaixo do parque. Mantinha o olhar fixo nas folhas enquanto varria, mas sempre que despejava a Linguaruda dentro do carrinho aproveitava para dar uma olhada geral ao seu redor, principalmente na árvore do Enforcado. Foi quando, numa dessas vezes em que olhou nos arredores da árvore, Varre Tudo viu um vulto passar rapidamente por trás do tronco. Assustou-se e, num salto, deixou a vassoura cair no chão. Ficou imóvel, mudo, quase sem respirar. Olhou fixamente para a árvore e percebeu que as folhas ainda sacolejavam, como se alguém tivesse estado ali há pouco.
Depois que recuperou o fôlego, Varre Tudo tomou coragem e caminhou, vagarosamente, até chegar à árvore do Enforcado. Olhou para os lados e não avistou ninguém. Aquele vulto lhe pareceu muito real, e ele podia jurar que alguém estivera ali, observando-o antes de fugir em disparada. O varredor se afastava da árvore quando pisou em alguma coisa que não eram as folhas secas. Olhou para os pés e percebeu que pisava em um grande chapéu preto. Agachou-se para apanhá-lo e, assim que o segurou nas mãos, lembrou do dia em que foi assaltado. O assaltante que levara sua carteira usava um chapéu muito parecido, ou idêntico ao que acabara de encontrar. Apavorado com a situação, Varre Tudo saiu correndo da rua do Enforcado em direção à Shirley, deixando para trás o carrinho e a vassoura.

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