quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Episódio 30


No dia seguinte, a situação da sujeira na cidade era ainda mais desesperadora. As ruas centrais exalavam um cheiro insuportável devido aos sacos de lixo que transbordavam dos contêineres e eram empilhados em todas as esquinas. As pessoas que circulavam pela área central chegavam a tapar o nariz com as mãos quando passavam em frente de um dos contêineres rodeados de moscas e cachorros vira-lata em busca de comida. Os funcionários da COVAT lamentavam a situação, pois aquela também era a cidade deles e, obviamente, gostariam de vê-la limpa, organizada e bela, como sempre havia sido. No entanto, sabiam que estavam lutando por uma causa justa e importante para todos e, por isso, não podiam desistir na metade do caminho. Determinados a conquistar melhores condições de trabalho e melhor remuneração, fariam tudo o que fosse necessário, nem que para isso a cidade se transformasse em um verdadeiro "lixão".
O presidente Manuel Vargas e o prefeito Mostarda Moura, que já haviam se encontrado dias antes para discutir sobre a greve dos trabalhadores da COVAT, começavam a se preocupar com a situação de Nova Rita Santa. Algo precisava ser feito com urgência. Eles não poderiam deixar que o município, reconhecido como um dos mais modernos e bem organizados do Estado em questão de limpeza, coleta e reciclagem de lixo, virasse notícia em função da sujeira e do descaso com o acúmulo de resíduos. Além disso, a saúde pública também começava a ser ameaçada pela sujeira, visto que o grande número de ratos e baratas atraídos pelo lixo poderia contribuir para a disseminação de doenças, principalmente nos bairros mais desfavorecidos.
Assim, movidos por essas e outras preocupações, Manuel Vargas e Seu Mostarda resolveram convocar os líderes da greve para a reunião no escritório administrativo da COVAT. O objetivo era tentar entrar em um acordo com os funcionários para que os mesmos voltassem ao trabalho e, conseqüentemente, fosse possível normalizar a situação da limpeza e da coleta de lixo na cidade. O presidente Manuel Vargas, porém, continuava irredutível quanto à exigência de aumento de 15% nos salários e ao pedido de que não fossem descontados do pagamento dos varredores os dias de chuva, nos quais não podem trabalhar. As demais reivindicações até poderiam ser atendidas, mas as negociações seriam acirradas. De qualquer maneira, decidiram contatar os representantes dos trabalhadores e agendar uma reunião para a primeira hora da tarde.
Quando souberam da decisão, Varre Tudo e seus amigos comemoraram. O encontro com o presidente da COVAT e com o prefeito da cidade representava a chance de os trabalhadores terem suas exigências atendidas. Todos estavam ansiosos para a reunião e aproveitaram os últimos minutos para repassar as sete reivindicações que haviam anotado na semana anterior.
– Pessoal, precisamos estar cientes de todas as nossas exigências. Vamos nos unir e lutar por elas. Não podemos abrir mão do que decidimos! – disse Varre Tudo, que buscava motivar os colegas.
– É isso aí! – gritou Abelhão. – Não podemos ceder aos pedidos nem às ameaças do presidente Manuel Vargas. Vamos exigir nossos direitos e conquistar melhores condições de trabalho pelo nosso amigo Junior, que está sofrendo no hospital neste momento!
– Falou e disse, Abelhão! Além de pensar no nosso bem-estar, devemos isso ao Junior. Ele merece o nosso empenho e esforço! – completou Magali, enquanto olhava fixamente para Varre Tudo.
O relógio não marcava nem uma hora da tarde quando os coletores, capinadores e varredores concentraram-se em frente à sede administrativa da COVAT. Carregando cartazes e gritando frases de protesto, os trabalhadores formaram uma multidão para receber o prefeito e o presidente, que, em seguida, chegariam de carro ao local. Enquanto isso, Varre Tudo e Abelhão, líderes dos varredores na greve, mais as duplas de representantes dos capinadores e dos coletores já se acomodavam nas cadeiras estofadas do escritório da COVAT para aguardar o início da reunião. Varre Tudo sentia o coração bater mais forte e as mãos suarem. O encontro estava prestes a se iniciar e eles precisavam sair vitoriosos. Ao seu lado, Abelhão, mesmo sem muito experiência com negociações, demonstrava confiança. Poucos minutos depois, a porta do escritório se abriu.
– Boa tarde, senhores! – cumprimentou-os o prefeito Mostarda Moura.
– Boa tarde! – responderam os trabalhadores.
– Primeiramente, gostaria de deixar claro que eu e o presidente Manuel Vargas estamos aqui a fim de entrar em acordo com os senhores. Faremos o possível para atender às suas exigências e para reverter a situação em que nossa cidade se encontra. – explicou Seu Mostarda.
– Ótimo. – disse Varre Tudo. – Estamos dispostos a voltar ao trabalho assim que todas as nossas reivindicações forem aceitas.
– Algumas de suas reivindicações são inaceitáveis! – exclamou Manuel Vargas, interrompendo o prefeito, que estava prestes a se pronunciar. – O máximo que podemos garantir é o auxílio creche para as funcionárias, o auxílio alimentação de 5% ao mês e o pagamento de horas extras. As demais exigências são absurdas! Simplesmente impossíveis de serem acatadas no momento.
Os trabalhadores entreolharam-se por um instante, incrédulos do que estava acontecendo. Todos imaginavam que a reunião significaria que Manuel Vargas, juntamente com o prefeito, aceitaria as reivindicações dos trabalhadores e negociaria com eles o retorno ao trabalho. Estavam enganados. Varre Tudo decidiu manifestar seu descontentamento com o encontro:
– Senhor prefeito e senhor presidente, os senhores nos convocaram para vir até aqui apenas para anunciar que não atenderão nossas exigências? – indagou o varredor. – Digo isso porque, se é assim, estamos apenas perdendo tempo nesta sala. Não vamos desistir de nossos objetivos. A greve vai continuar se não chegarmos a um acordo digno.
– Pois eu já lhe ofereci um acordo digno, caro varredor. – disse Manuel Vargas, ironicamente. – O senhor é que não valorizou a oportunidade. Já disse que algumas das exigências são absurdas. Portanto, atenderemos somente as que forem viáveis para a empresa e para a cidade.
– E quanto ao aumento de 15% nos salários? – perguntou Abelhão.
– Essa é uma das exigências impossíveis. O máximo que poderíamos negociar seria um aumento de 5% nos salários. – respondeu o presidente.
– Sinceramente, pessoal! O presidente e o prefeito estão fazendo piada com a nossa cara. Vamos embora! Não temos mais nada para discutir aqui! Temos uma greve para dar continuidade! – disse Abelhão, enquanto levantava-se da cadeira.
Todos começaram a se exaltar. Os trabalhadores, indignados, conversavam entre si, enquanto Varre Tudo tentava conversar com Seu Mostarda e o presidente. A reunião, que havia sido iniciada de maneira civilizada, agora estava fora de controle. Assim que ficaram sabendo do resultado negativo do encontro, os funcionários que se concentravam em frente à sede da COVAT dirigiram-se para o prédio da Prefeitura. No caminho, começavam a bolar um protesto surpresa para o dia seguinte, algo que realmente fosse capaz de abrir os olhos de todas as autoridades, e também da população, para as conseqüências da greve dos varredores e coletores da cidade.

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