quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Episódio 38

A noite estava estrelada e a lua cheia tomava conta do céu com todo o seu esplendor. Varre Tudo caminhava lentamente com as mãos nos bolsos, pensando em Jaciara. Ele sentiu o vento brincando com seus cabelos e de repente o sorriso de Magali tomou conta de seus pensamentos. Varre pensou que seria bom passear a noite na beira do Rio dos Passos de mãos dadas com Magali, sentindo o perfume dela e contemplando seu sorriso lindo, ir ao cinema com ela e assistir os grandes clássicos, levar ela até o estádio e compartilhar a paixão pelo futebol. Ele se deu conta que há muito tempo não pensava em alguém assim e que talvez fosse a hora de dar uma chance para o destino. Varre continuou perdido em pensamentos, enquanto passava pela praça Pio X. A noite estava tão agradável e bonita que ele decidiu comprar um sorvete e sentar em um dos bancos para apreciar a lua. Varre nunca tinha namorado sério, estava sempre em casa estudando e cuidando de sua mãe. Lembrou das palavras dela: filho larga um pouco os livros, tem que sair, conhecer gente nova. Ele sorriu. Sua mãe como sempre estava certa. Ele sentiu saudades e um aperto no peito.

- Tô me sentindo tão sozinho! – suspirou.

Varre Tudo tinha dado prioridade aos estudos, e ainda queria realizar o sonho de se tornar Engenheiro Ambiental. Por isso estava tão confuso em deixar a COVAT. Sua vida estava ligada ao lixo, à varrição, à reciclagem e à conscientização. Varre acreditava que a educação ambiental, que tinha ganhado força e incentivo com a greve na cidade, era o primeiro passo. Mesmo assim, se sentia só e decidiu que ia convidar Magali para sair.

- Até que ponto vale a pena ficar sozinho? Vou mesmo dar uma chance ao destino! – pensou sorrindo.

Mas Varre sabia que antes disso precisava colocar a cabeça no lugar. Afinal, tinha que descobrir porque Jaciara não saía de sua cabeça, mesmo quando estava com Magali. Varre estava confuso, acreditava que a preocupação com a amiga era mais forte que a atração que sentia pela linda moça sapeca e tagarela. Ele continuava pensativo quando percebeu que do outro lado da praça uma equipe de garis limpava as escadarias da Igreja Nova Rita Santa com suas vassouras de pêlo. Varre nunca tinha notado como era mágico contemplar os detalhes dos uniformes da COVAT. Todos eles tinham tarjas que refletiam durante a noite para evitar acidentes. E apesar de conhecer tão bem aquele uniforme, ele ficou espantado enquanto acompanhava o movimento constante das vassouras em contraste com a luz da lua e os cabelos brilhosos das mulheres.

- É fascinante! – exclamou ele.

Garis varriam a cidade todas as noites, e as pessoas simplesmente passavam por elas como se nem as vissem. As mulheres desceram as escadas e passaram a limpar a calçada em frente à Igreja. Elas se moviam com delicadeza e graça, como se estivessem em um palco. Varre contemplava encantado aquele espetáculo. Elas dançavam com sensualidade e sincronia. Ele estava diante de um balé de vassouras. Sorria extasiado. O balé acontecia sempre em todas as ruas da cidade e ninguém parava para contemplá-lo. As moças limpavam cuidadosamente cada pedra histórica daquela calçada, sem nem se dar conta de como era lindo o espetáculo que produziam. Varre viu Magali em meio ao balé.

- Nossa! Ela é linda mesmo!

Ele queria contemplar o balé por mais tempo, mas elas já estavam se afastando em direção ao depósito da COVAT. Magali atravessou a praça e ele sorriu abertamente para ela. A moça sentiu que essa era a chance de conquistar Varre e ela não iria deixar passar.

- Oi Altayr! Tu veio me ver? – perguntou ela empolgada.

Varre corou! Ela era muito espontânea e ele super tímido.

- Tava indo pra casa, aí vi esse espetáculo. Quando varrem parece um balé de vassouras!

- Como tu é fofo! – disse ela, beijando a bochecha dele.

- Se tu diz. – falou sem graça.

Ela sorriu e deu a mão para ele. E os dois seguiram em direção da casa dela. Magali era tagarela, mas estava calada. Ela estava pensando que queria estar com Varre, mas também queria curtir as festas no fim de semana. Magali estava apaixonada, mas na verdade tinha medo. Ela sabia o quanto eram diferentes e Varre ainda não conhecia essas diferenças.

- O que tu tem? É sempre tão falante! – perguntou.

- Eu tava pensando. Tu sai bastante? Curte pagode, funk, música sertaneja?

- Não saio muito não! E curto mais rock.

- Ah, tu não iria comigo no baile funk? – pediu ela – enquanto dançava na frente dele.

- Talvez. Mas não sempre! Por quê?

- Olha só! Sou super direta! E te acho o cara mais fofo dessa cidade. Se preocupa com as pessoas, tem consciência e tudo mais. Tu tem noção que fez a cidade entrar em greve, tem liderança e não tem vergonha de trabalhar com o lixo. É o genro que minha mãe pediu a Deus!

- Pára Magali! Assim eu fico sem jeito! – corou ele.

- É verdade. Eu tenho vergonha de ser “lixeira”. Odeio usar esse uniforme e só não tirei esse trapo para vir pra casa, porque queria passar mais tempo contigo. – falou.

- Por que tem vergonha? Te falei que esse uniforme é lindo. Pareciam bailarinas!

- Fala sério! Eu só faço isso pra ter grana e curtir minhas festas. – disse ela, séria.

Varre pensou em Jaciara e mais do que depressa mudou de assunto:

- Magali, que tal a gente ir no cinema? Tá passando uma coletânea de filmes clássicos que marcaram a história do cinema? – pediu ele.

- Não gosto muito de filmes velhos. – disse ela.

- Então vamos para a Capital? A Feira do Livro está ótima, quero comprar algumas novidades em literatura infanto-juvenil sobre meio ambiente. O que acha? Passamos a tarde juntos. – perguntou empolgado.

- Aí, Altayr! Passar a tarde juntos! Adorei a idéia. Aproveito para comprar a biografia daquela funkeira, super famosa, como é mesmo o nome dela?

O celular de Magali tocou e, enquanto ela tagarelava com a amiga, combinado a festa do fim de semana, Varre Tudo a olhava atentamente. Ela era bonita e meiga, mas não tinham nada a ver um com o outro. Ela o abraçou e começou a falar da roupa que ia usar no baile funk. Eles chegaram a casa dela e ele esperou enquanto ela dava tchau para a amiga. Magali ficou na ponta dos pés para beijar os lábios de Varre Tudo, mas ele lhe deu um beijo na testa e a puxou para os seus braços. Varre a soltou depois de um longo e carinhoso abraço e sem dizer nada desceu as escadas. Ela entendeu e o olhou intensamente enquanto ele ia embora. Magali sabia que Varre Tudo jamais brincaria com os sentimentos dela. Ela também percebeu o que ele ainda não sabia. Não foram apenas as diferenças que tinham impedido aquele beijo. Os pensamentos e o amor de Varre Tudo eram dedicados à outra moça. Magali fechou a porta atrás de si, enquanto as lágrimas escorriam por sua linda face.

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