terça-feira, 23 de outubro de 2007

Episódio 33


A quinta-feira amanheceu ensolarada. As pessoas que passavam na rua Presidente Castelo Branco, no Centro, paravam espantadas. Cabelera e Maurício chegaram à gráfica de carro e se espantaram com a multidão. Desceram da camionete com cuidado. Eles tinham acabado de vir da chácara do Catarina com um novo carregamento de aves raras. Atravessaram a rua e não conseguiam acreditar no que viam. As gaiolas estavam abertas e espalhadas por toda a rua. A população comentava revoltada a situação das aves.
- Que horror! Em pleno centro da cidade, um lugar desses! Maltratando os bichinhos. Gente sem consciência! E depois reclamam dos garis da COVAT, é por causa de pessoas como essas aí que o mundo está perdido! – reclamava uma senhora.
- Calma, vó! Não é pra tanto também! – disse a jovem.
- Menina! Você já tem 15 anos e ainda não aprendeu! Não é para tanto? Você por acaso sabe que tem pessoas que tiram o sustento da família do lixo? Tem olhado as ruas da cidade? Consegue respirar? Claro que não! Mas tem pessoas que limpam Nova Santa Rita pra ti! E pessoas que sentem esse cheiro todos os dias! – falava severamente para a neta.
- Ai, vó, desculpa! Nunca pensei assim. A senhora tem razão. Vou ligar pra polícia.
Cabelera e Maurício suavam frio, eles atravessaram a rua e fugiram sem serem percebidos em meio a multidão. No caminho decidiram devolver os animais para o Catarina, mas não iriam contar o que tinha acontecido.
- Cabelera! Eu te falei que o cara da responsa ia aprontar, meu!
- Pô, mano! Como eu ia saber! Tinha pinta de malandro! Mas tem volta! – frisou indignado.
Eles seguiam para a chácara e passaram por duas viaturas da Polícia Federal do Meio Ambiente, que tinha uma pequena sede na cidade, justamente porque a cidade era modelo em todo o estado na questão ambiental. Os dois seguiram em frente e suspiraram aliviados enquanto os policiais iam em direção à gráfica. A multidão estava impaciente. Já tinham ligado para a redação do Picadeiro. A repórter chegou e começou a entrevistar as pessoas que estavam na rua. Os policiais entraram na gráfica, acompanhados por Eduarda, repórter do Picadeiro e o fotógrafo Paulo. Enquanto os agentes procuravam provas que os auxiliassem no processo, Eduarda acompanhava atentamente. A situação era deplorável, muitas aves estavam mortas e outras bem machucadas. A moça aguardou os polícias terminarem para poder conversar com um deles. Abordou o mais simpático.
- Então? Tu pode conversar comigo sobre a ação? – perguntou Eduarda.
- É cedo ainda para qualquer conclusão, mas está claro que traficavam aves raras nesse local. Encontramos 20 animais mortos e mais de 30 aves machucadas. E muitas devem ter fugido, pela quantidade de gaiolas lá fora, acredito que tinha mais de 600 aves mantidas em cativeiro aqui. Vamos nos mobilizar e prender os envolvidos. – afirmou o agente Ângelo Almeida.
Depois de conseguir as informações necessárias Eduarda e Paulo retornaram para o jornal. No caminho ela falava toda empolgada das idéias para a manchete do Picadeiro. Juseppe, que morava no bairro dos Jardins, do outro lado da cidade, tinha tirado duas semanas de férias. Ele pretendia ir até a gráfica avaliar o novo carregamento, assinar alguns papéis e pegar dinheiro. Tinha combinado de levar Jaciara até a capital para passarem mais tempo juntos e conversarem. Em Nova Rita Santa não havia condições de passear pelas ruas. O cheiro era insuportável. Fazia uma semana que os funcionários estavam em greve e a população se sentia como se morasse em um lixão. Já eram quase quatro e meia e ele ia buscar Jaci às seis. Saiu e decidiu passar na banca do seu Joaquim e comprar umas revistas. Encontrou um dos vizinhos no caminho.
- E aí Juseppe, me diz uma coisa. Como está aquele guri que perdeu a mão? – perguntou.
- Não sei e nem tenho interesse. Onde já se viu? A cidade imunda, com insetos por todos os lados, tudo por culpa desses garis sem consciência.
- Nossa, Jussepe! Eles têm razão em lutar por melhores condições. Olha só, logo você, que é um colega deles falando assim!
- Não sou colega de lixeiros! – disse.
- Ah! Deixa pra lá. Só sei que apóio eles, e sem os “lixeiros” a cidade vai ficar cada vez pior.
- Tá bom! – exclamou irritado.
Ele foi até a banca e ficou curioso. Várias pessoas estavam comprando o jornal e comentando. Juseppe pegou o jornal e suou frio ao ler:
EXTRA – EDIÇÃO ESPECIAL
Aves raras são encontradas em gráfica clandestina no centro da cidade
A cidade amanheceu diferente na manhã desta quinta-feira, em meio ao lixo acumulado há uma semana, os moradores da rua Presidente Castelo Branco, no Centro, foram surpreendidos ao sair de casa. Em frente à Gráfica Papagaio, uma das mais tradicionais do município, havia mais de 600 gaiolas, que eram usadas para manter aves raras em cativeiro. A Polícia Federal do Meio Ambiente encontrou 20 aves mortas e mais de 30 com diversos ferimentos. Algumas ainda estavam na calçada, sem força para tentar voar e ganhar a liberdade. Além disso, apreenderam pilhas de documentos, papéis falsificados, livros e revistas sobre aves raras e espécies em extinção. Dentro de uma gaveta com fundo falso acharam um bloco de notas frias e um catálogo com os valores cobrados por animal e uma agenda com nomes, telefones e endereços. Os agentes interditaram o local e iniciaram as investigações.

Juseppe sentiu o chão se abrir sob seus pés. Tudo ficou escuro enquanto ele caia para trás, segurando a edição extra do Picadeiro apertada contra o peito.

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